Portugal, tribunal

Tribunal Constitucional compara confinamentos a prisão domiciliária (7/22)

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ACÓRDÃO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DE PORTUGAL Nº 464/2022

É mais uma vitória, que a corrupta comunicação social portuguesa não dá o devido destaque.

Depois de em fevereiro, o tribunal constitucional português ter declarado inconstitucional o isolamento das escolas:

Tribunal Constitucional considera ilegal medida de isolamento (02-2022)

E por exemplo depois do tribunal da relação de Lisboa ter considerado que 97% dos casos covid-19 eram falsos positivos:

Tribunal de Lisboa arrasa eficácia dos testes PCR e quarentena forçada

O tribunal consitucional veio proferir um acórdão que considera que os confinamentos decretados na pandemia (fraudemia) são uma “forma de privação da liberdade total”

Os três juízes do TC que concordaram com esta decisão traçam mesmo um paralelismo com a situação de “prisão preventiva ou de reclusão penitenciária”.

UNESCO artigo 6: ninguém pode ser vacinado sem o seu consentimento

No acórdão, os três juízes sustentam, por exemplo, que “estabelecer um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde para passageiros de voos oriundos de um grupo de países fixados por despacho conjunto dos membros do Governo” consubstancia uma norma “legal determinativa de condições para a limitação temporária da liberdade de movimentos dos visados, suscitando a defesa constitucional da liberdade física da pessoa humana”.

Se a posição dos três juízes for doravante adotada pela íntegra dos magistrados no TC, significa que qualquer projeto de lei de emergência sanitária será inviabilizado no futuro.

O acórdão de secção foi subscrito por José Eduardo Figueiredo Dias, Assunção Raimundo e por Mariana Canotilho, que deixou uma declaração de voto, afastando-se no “no essencial, da fundamentação, por motivos a desenvolver em sede de jurisprudência futura”. Em contrapartida, o vice-presidente do TC, Pedro Machete, discordou por completo da decisão.

Recordamos que há um processo no supremo tribunal ainda sem decisão:

Ação Popular entra no Supremo Tribunal contra as medidas da Pandemia

Este processo (ação popular) veio devolvido e foi submetido novamente, mas a previsão é que não venha a ter o desfecho que esperamos, mas alguma condenação deva acontecer.

Há ainda mais processos que correm nos tribunais…

Tribunal Lisboa reconhece apenas 152 óbitos por covid-19 e não os 17000

Como sempre o site oevento disponibilizará sempre os acórdãos, mesmo que não sejam públicos.

A Mão Oculta (Olho) controla uma pessoa (Mestre), a pessoa controla um cachorro (Fantoche)
Vamos ao acórdão integral sem qualquer modificação:

ACÓRDÃO Nº 464/2022

Processo n.º 638/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

  1. Relatório
  1. A. apresentou requerimento de habeas corpus ao abrigo do disposto no artigo 220.º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), contra a sua reclusão em domicílio por catorze dias efetivada por Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao abrigo do artigo 25.º do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 de 30.04, na redação conferida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021 de 13.05.

O Tribunal do juízo de instrução criminal de Setúbal (Juiz 2) da comarca de Setúbal declarou a inconstitucionalidade material e orgânica do citado artigo 25.º do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 de 30.04, na redação conferida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021 de 13.05 (doravante abreviadamente designada por RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04), por violação do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 1 e 2, 27.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, al. b), todos da Constituição da República, julgando procedente o pedido de habeas corpus formulado pelo requerente.

  1.  O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional (fls. 76 e 78) da sobredita decisão ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 1, alínea a), ambos da Lei n.º 28/82 de 15.09 (LTC), nos seguintes termos:

“Vem o Ministério Público interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto despacho de fls. 66-68 proferido no âmbito do Processo n.º 2657/21.0T8STB que correu termos na Instância e Tribunal supra epigrafados, na parte em que recusou a aplicação da norma constante do art.º 25.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 13 de maio, publicada a 14 de maio, com fundamento na sua inconstitucionalidade material e orgânica, ao abrigo do disposto no art.º 280.º, n.º 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa.

O referido recurso processar-se-á como de apelação em matéria cível e deverá subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo – art.ºs 69.º, 70.º, n.º 1, al. a), 71.º, 72.º, n.ºs 1, al. a), e 3, 75.º-A, n.º 1, 76.º e 78.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua versão atual.”

  1. O Tribunal “a quo” admitiu o recurso (fls. 79), que foi recebido também no Tribunal Constitucional.

O Ministério Público apresentou alegações (fls. 93-132), defendendo o juízo de desconformidade constitucional do quadro legal desaplicado e enunciando as seguintes conclusões:

1.   Está em causa nos autos ajuizar da inconstitucionalidade orgânica e material da norma contida no art. 25.º, n.ºs 1 [e 2] do Regime Anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29.04.2021 na redação conferida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 13 de maio, (tendo esta última Resolução, no que interessa à decisão do recurso, apenas introduzido alterações ao n.º 1 do preceito).

  1. Apesar de a M.ma juíza de instrução a quo remeter em bloco para a norma do «artigo 25.º da mencionada Resolução», cremos que a norma cuja inconstitucionalidade, orgânica e material, é invocada se limitará ao n.º 1 daquele preceito, porquanto o requerente A. foi passageiro de um voo com origem no Brasil, sem escalas em aeroportos de quaisquer outros países.
  2. Por outro lado, a douta decisão impugnada declara, expressamente, a inconstitucionalidade da norma desaplicada com fundamento na desconformidade orgânica e material da mesma (a ser editada através de ato legislativo competente) porquanto a possibilidade de privação de liberdade por isolamento profilático (por 14 dias) de passageiros provenientes do Brasil com registo de saída nos 14 dias anteriores à sua chegada a Portugal, não se enquadrava nas exceções constitucionalmente admissíveis previstas art. 27.º, n.º 3 da CRP, por não ter controlo judicial.
  3. No entanto, conforme resulta, inequivocamente, do teor do despacho recorrido, decidiu a M.ma Juíza de instrução a quo – para além de estatuir a inconstitucionalidade orgânica e material da norma contida no artigo 25.º, n.º 1 do Regime Anexo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de Abril, na redação da RCM n.º 59-B/2021, de 13 de  maio – julgar «(…) ilegal, por violadora dos mencionados normativos legais (Artigo 19°, n° 1, 18°, n°s 2 e 2, 27°, n° 1, 165°, n° 1, al. b) da C.R.P.), a situação de confinamento profiláctico a que o Requerente está sujeito».
  4. Se se atentar, por isso, na economia da decisão impugnada, podemos concluir que, independentemente do juízo formulável sobre a inconstitucionalidade material e orgânica da interpretação normativa desaplicada pela M.ma juíza a quo – a emergente do prescrito no artigo 25.º, n.º 1 do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril, na redação conferida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 13 de maio – o resultado processual final permaneceria inalterado, mantendo-se  o veredicto no sentido da verificação da ilegalidade da detenção e a consequente determinação de restituição do requerente à liberdade.
  5. Constata-se, assim, a ocorrência, no despacho recorrido, de uma fundamentação alternativa ao julgamento de inconstitucionalidade, suscetível de sustentar um resultado idêntico ao verificado, independentemente de qualquer juízo sobre a compatibilidade constitucional da norma efetivamente desaplicada.
  6. Atenta a natureza instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido constante no sentido que fica bem ilustrado pelo douto Acórdão n.º 282/11, e no qual esclarece que:

«O Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente o carácter instrumental dos recursos de fiscalização concreta de inconstitucionalidade: a decisão do recurso deve apresentar a virtualidade de se projectar de forma útil na decisão recorrida, de modo a alterar a solução jurídica obtida no caso concreto, mediante a reponderação do caso pelo tribunal comum (neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos nºs 14/91, 454/91, 169/92, 272/94, 324/94, 332/94, 337/94, 343/94, 463/94, 577/95, 608/95, 41/96, 148/96, 366/96, 1015/96, 196/97, 490/99, 635/99, 362/2000 e 687/2004 – os arestos citados sem indicação do lugar de publicação podem ser consultados em www.tribunalconstitucional.pt). O julgamento do recurso carecerá, por isso, de utilidade quando, qualquer que seja a solução a dar pelo Tribunal Constitucional à questão de inconstitucionalidade, ela se mostre irrelevante para a solução do caso concreto, mantendo-se obrigatoriamente inalterada a decisão impugnada».

  1. Parece que tal inutilidade ocorre nos presentes autos, uma vez que se verifica que a decisão recorrida assenta numa efetiva e suficiente fundamentação alternativa ao juízo sustentado na desconformidade constitucional.
  2. É o que informa, sobre a matéria, Lopes do Rego, ao afirmar que:

«O Tribunal Constitucional vem considerando, de modo reiterado, que carece de utilidade a apreciação dos recursos de constitucionalidade quando a decisão recorrida haja assentado numa efectiva e suficiente fundamentação alternativa – limitando-se o recorrente a pôr em causa a constitucionalidade da norma em que assenta um dos fundamentos “alternativos” do decidido, constituindo, porém, “ratio decidendi” bastante a outra via alternativa seguida pelo tribunal “a quo”, alicerçada em normas absolutamente estranhas ao objecto do recurso de constitucionalidade, tal como o recorrente o delimitou» (Os recursos de Fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 62 e 63).

  1. Em virtude do exposto, não poderemos deixar de concluir que, no caso vertente, não deverá o Tribunal Constitucional conhecer do objeto do presente recurso, uma vez que, verificando-se a ocorrência de uma fundamentação alternativa, a sua apreciação se revela inútil, na medida em que o resultado processual se manteria inalterado.
  2. Para a hipótese de assim não se entender, e sem prejuízo de tudo o que ficou exposto, passaremos a pronunciar-nos sobre a dimensão substantiva do objeto do recurso interposto.
  3. Invoca a M.ma juíza de instrução a quo a disposição constitucional delimitadora da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, designadamente a alínea b) do seu n.º 1, norma que se nos afigura fulcral para a adequada compreensão e a boa decisão da causa.
  4. Partindo da douta decisão impugnada relativamente à desaplicação da norma ínsita no artigo 25.º, n.ºs 1 [e 2], do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril, na redação conferida pela RCM n.º 59-B/2021, de 13 de maio, importa cotejá-la com o teor do comando contido na alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, no que concerne à inconstitucionalidade orgânica.
  5. A questão jurídico-constitucional sobre a qual incide a douta decisão judicial impugnada resulta da ponderação de uma das diversas dimensões do quadro normativo que emergiu da necessidade de combater a pandemia de COVID-19 causada pelo novo Coronavírus, SARS-CoV-2, que já foi cognominada como «Ordem jurídica da crise pandémica».
  6.  A Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril, de cujo Regime anexo consta a norma encerrada na disposição sob escrutínio vigorou, por força do disposto nos seus Números 1 e 16, entre as 0:00 horas do dia 1 de Maio de 2021 e as 23:59 horas do dia 16 de maio de 2021 – tendo sucedido à Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-A/2021, de 15 de abril, que regulamentou o Estado de Emergência declarado por meio do Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de abril.
  7.  No dia 17 de maio de 2021 – data em que o requerente chegou a Portugal –, às 00H00, entraram em vigor as alterações efetuadas pela Resolução n.º 59-B/2021, de 13 de maio, aos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 27.º do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45 -C/2021, de 30 de abril (ponto n.º 7 da RCM n.º 59-B/2021, de 13 de maio).
  8.  A Resolução, que agora nos ocupa – Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril, rectius o seu regime anexo, com a alteração introduzida ao seu art. 25.º, n.º 1, pela RCM n.º 59-C/2021, de 13 de maio, continente do regime anexo do qual consta a norma sob análise – instituiu uma situação de calamidade em todo o território nacional (pese embora o prescrito no artigo 2.º do Regime Anexo), ao abrigo do disposto, para além do mais, no “artigo 17.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, do n.º 6 do artigo 8.º e [n]o artigo 19.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual”, ou seja, respetivamente, na Lei que institui o Sistema de Vigilância em Saúde Pública e na Lei de Bases da Proteção Civil.
  9. Com este respaldo, emitiu o Governo a norma ínsita nos n.ºs 1 e 2, do artigo 25.º, do Regime da situação de calamidade anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril – depois reiterado pela RCM n.º 59-B/2021, de 13 de maio –, a qual permite impor o isolamento profilático nos termos ali previstos, admitindo-se assim situações de restrição do direito à liberdade, durante 14 dias, dos cidadãos que tivessem viajado em voos com origem no Brasil.
  10. Embora pareça revelar-se evidente que a imposição coerciva de isolamento profilático afeta e restringe o direito à liberdade, ou seja, o direito à liberdade física e de locomoção, exige-se-nos uma abordagem perfunctória de tal questão, a fim de tentar densificar a figura de detenção no confronto com o conteúdo daquele direito.
  11. Esclarece-nos José Lobo Moutinho, a este propósito, que

«(…) [A] liberdade que está em jogo no artigo 27.º é a liberdade física, a liberdade [de] movimentos corpóreos, ou seja, e na formulação de Gomes Canotilho e Vital Moreira, a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem, por vezes recorrido, expressamente, o «direito a não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar» (cfr. Constituição, pág. 184, e, na jurisprudência, p. ex., Acs n.ºs 479/94, 436/00 e 471/01).

Mas dizer isto não basta para apreender o alcance do objeto de proteção.

Torna-se ainda necessário ter presente que a garantia constitucional abrange, expressamente desde 1982, a privação total ou parcial da liberdade ou, como a jurisprudência tem aceitado, na sequência da terminologia germânica, a privação ou a mera restrição da liberdade, entendendo pela primeira o confinamento coativo a um espaço relativamente limitado (como um estabelecimento prisional, o edifício de um tribunal ou de entidade policial ou de um hospital) e pela segunda qualquer outra forma de impedimento à deslocação da pessoa de ou para lugar que lhe seria jurídica e facticamente acessível (…)» (Constituição Portuguesa Anotada – org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Lisboa,  UCP, 2017, pp. 466).

  1. O isolamento profilático de uma pessoa física ao espaço do respetivo domicílio ou de qualquer outro local definido pelas autoridades de saúde constitui, sem dúvida, mais do que uma mera compressão, uma restrição à liberdade física, a liberdade de movimentos corpóreos ou, nas palavras de outros autores, à «liberdade de ir e vir».
  2. O mesmo Autor, José Lobo Moutinho, a páginas 468 a 470 da obra supracitada afirma, ainda, que:

«A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem afirmado a vigência de um princípio de tipicidade das privações totais ou parciais da liberdade (cfr., p. ex, Ac. n.º 363/00, implicitamente, Ac. n.º 7/87 e, apesar de considerar que no caso se estava perante uma privação total da liberdade, Ac. n.º 479/94).

(…)

De decisiva importância são, por seu turno, as garantias de que a Constituição rodeia a privação total ou parcial da liberdade, ainda que esta se mostre materialmente justificada.

Estas garantias incluem, antes de mais, a reserva de lei: qualquer privação da liberdade só é lícita desde que esteja prevista na lei, como se depreende do artigo 27.º, n.º 3.

(…)

Antes de mais, a Constituição exige expressamente que a lei não apenas preveja a privação ou restrição da liberdade (e, naturalmente, os casos em que ela se pode dar), mas ainda que determine o «tempo» e as «condições» da mesma (artigo 27.º).

(…)

A restrição da liberdade é ainda rodeada de uma intensa garantia jurisdicional, verdadeiro penhor da defesa da liberdade contra o abuso de poder e, por essa via, de uma real soberania do Direito na coordenação efetiva da liberdade individual e da autoridade social».

  1.  Ou seja, se optarmos por esta visão radical mas, segundo entendemos, mais fiel à letra e ao espírito do texto constitucional e, por isso mesmo, seguida pelo Tribunal Constitucional, não poderemos deixar de concluir que a norma em causa consagra uma modalidade de privação da liberdade não excecionada pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, e que, por conseguinte, viola materialmente o direito à liberdade proclamado no n.º 1 deste mesmo artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.
  2.  Também sobre este tema no contexto do mais exigente estado de emergência, pronunciou-se Jorge Reis Novais, em Direitos Fundamentais e inconstitucionalidade em situação de crise – a propósito da epidemia COVID-19, publicado em e-Pública – Revista Eletrónica de Direito Público, vol.7, n.º 1, Lisboa, Abril de 2020, que:

«O direito à liberdade física ou à liberdade pessoal, considerado como um todo, é limitável, como qualquer outro direito. Portanto, quando se considera o específico direito consagrado no artigo 27.º, n.º 1, é também assim. A liberdade de ir e vir, a liberdade física ambulatória, a liberdade de locomoção, podem ser restringidas. De resto, a evidência de todos os dias comprová-lo-ia pacificamente: se um automobilista é obrigado a parar ao sinal vermelho, se o cumprimento de uma obrigação legal obriga à presença e permanência num determinado serviço, isso significa que a liberdade física pode ser constrangida, limitada. É uma banalidade.

Mas, o artigo 27.º, n.º 2, consagra uma outra garantia dirigida a proteger contra as restrições mais graves e extremas à liberdade, contra a “privação total ou parcial da liberdade” e essa outra garantia já é tratada de forma substancialmente distinta pela Constituição. É consagrada com um carácter preciso, definitivo, absoluto: ninguém pode ser, total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto legalmente punido com pena de prisão ou de medida de segurança.

Estamos aqui, claramente, perante aquela estrutura normativa típica em que a Constituição, depois de garantir um direito, exclui, de forma inequívoca e definitiva, as agressões mais graves ou extremas a esse direito. Não estamos apenas perante a situação, comum, em que a Constituição consagra um direito e simultaneamente admite expressamente algumas limitações. Aqui, diversamente, o que se faz é excluir qualquer restrição fora daquele caso expressamente previsto. Só quando se verifica o pressuposto ali enunciado —sentença judicial condenatória— pode haver privação total ou parcial da liberdade.

De resto, se não fosse para impor uma proibição absoluta, para que outro fim se complementaria o enunciado do n.º 1 do artigo 27.º com uma expressão tão inequívoca como a constante do n.º 2 do artigo 27.º ? Mais, tão clara é a intenção de formular uma regra constitucional definitiva, absoluta, que o legislador constituinte se preocupa a seguir, no n.º 3, em enumerar todas as que considera serem as excepções admissíveis à proibição instituída no n.º 2. Por isso, também, porque aquela enumeração é taxativa, houve necessidade de esse n.º 3 ser sucessivamente alterado em revisões constitucionais posteriores, precisamente para acomodar outras excepções que se vieram a revelar necessárias. Mas, sempre sem deixar dúvidas de que há aí uma reserva de Constituição, que esta não admite outras situações de privação total ou parcial de liberdade para além daquelas que são expressamente mencionadas nos n.os 2 e 3 do artigo 27.º»

  1.  Adita ainda o mesmo autor:

«Que aquele conteúdo de proibição absoluta é o sentido das normas extraídas do artigo 27.º, n.os 2 e 3, sempre foi pacífico na nossa jurisprudência constitucional. Leia-se, de uma decisão emblemática do Tribunal Constitucional, a do Acórdão n.º 479/94».

  1. Todavia, ainda que não adotemos este entendimento e aceitemos que o direito à liberdade pode ser, sem ofensa do Texto Fundamental, restringido, por lei, se colidente com outros direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos concretamente prevalecentes, em situações distintas das elencadas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, não poderemos deixar de considerar se tal compressão pode ser decidida pelo Governo (por meio de Resolução do Conselho de Ministros) sem autorização da Assembleia da República.
  2. De acordo com o prescrito no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre (…) [d]ireitos, liberdades e garantias”, não existindo qualquer dúvida, designadamente pela sua inserção sistemática, que o Governo, ao estipular sobre restrições ao direito à liberdade consagrado no artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa, legislou, sem, para tal ter obtido autorização parlamentar, sobre matéria de direitos, liberdades e garantias, integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
  3.  Na verdade, a Assembleia da República nunca autorizou, em qualquer momento relevante, o Governo a legislar sobre o poder de isolamento profilático de qualquer pessoa ao espaço do respetivo domicílio ou de qualquer outro local definido pelas autoridades de saúde.
  4.  Assim, torna-se evidente ter o Governo legislado sobre matéria excluída da sua competência constitucional, em violação do disposto no já mencionado artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, o que parece consubstanciar, formal e objetivamente, uma inconstitucionalidade orgânica dada a violação de uma norma de competência.
  5.  Para além disso acrescente-se, para a boa análise da questão, que o comando ínsito no artigo 25.º, n.º 1 (e n.º 2), do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril (com as alterações da RCM n.º 59-B/2021, de 13 de maio) não se corporiza num preceito que se limite a reproduzir um outro validamente aprovado pela Assembleia da República, razão pela qual não poderemos deixar de inferir que a norma nele contida exibe carácter inovador.
  6. Na verdade, sobre esta dimensão da possível compatibilidade constitucional de normas produzidas pelo Governo, por via da mera reprodução de normas preexistentes emanadas da Assembleia da República, tem-se pronunciado vastamente o Tribunal Constitucional, esclarecendo, entre outros, no seu douto Acórdão n.º 114/08, que:

«Com efeito, o Tribunal já por diversas vezes afirmou, em jurisprudência que remonta à Comissão Constitucional, que o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Força é que se demonstre que as normas postas sob observação não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente».

  1. Complementando tal entendimento, já explicara o Tribunal Constitucional, no douto Acórdão n.º 187/09, citando o seu aresto número 574/06, em situação menos evidente do que a presente, que:

«É verdade que os factos em causa não sofreram qualquer alteração e que as penas previstas na norma do Código da Estrada e na norma do Código Penal são idênticas. No entanto, a qualificação de uma dada factualidade à luz de um determinado preceito tem consequências jurídicas que se repercutem (podem repercutir‑se) na determinação da responsabilidade criminal do agente.

(…)

Visto que a qualificação dos factos respeita à definição legal do crime, o Governo não pode, sem uma prévia lei de autorização, alterar essa qualificação. Ao fazê-lo, estará a alterar a definição legal de um crime, entrando, desse modo, em colisão directa com o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, que reserva à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a competência para legislar sobre a “definição dos crimes” e “respectivos pressupostos».

  1. Concluindo, no caso vertente, como o fez o Tribunal Constitucional, (embora a propósito de alínea distinta da alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º, da CRP) no, igualmente douto, Acórdão n.º 275/09, «[v]erificado esse mesmo conteúdo inovatório, é forçoso concluir-se que o legislador governamental necessitava da autorização legislativa, na medida em que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 165º da CRP”».
  2. Em suma, parece-nos não pode deixar de se concluir que o Governo, ao legislar, inovatoriamente e sem autorização legislativa, sobre direitos, liberdades e garantias, matéria da reserva relativa da competência da Assembleia da República, violou o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.
  3.  Aliás, recorde-se que, num contexto de mais acentuada excecionalidade – resultante da declaração do estado de emergência – e, consequentemente, de suspensão constitucional de direitos fundamentais e de reforço dos poderes públicos, com expansão das competências normativas do órgão executivo, sustentaram diversos Autores, entre eles Jorge Reis Novais, que o Governo só poderia restringir os direitos fundamentais (e não todos) cujo exercício se encontrasse suspenso por decreto do Presidente da República, ouvido o Governo e autorizado pela Assembleia da República.
  4. Sobre este ponto da polémica, pronunciou-se o Professor Jorge Reis Novais com relevância para a solução do presente dissídio, no sentido seguinte:

«[O]s direitos fundamentais cuja suspensão foi especificada no decreto presidencial estão parcialmente suspensos na medida, mais ou menos densificada, enunciada pelo próprio Presidente da República. Isto é, tendo ficado parcialmente suspensos nos termos delimitados pelo Presidente da República as «autoridades competentes» podem agora, dentro daqueles limites e no respectivo âmbito normativo, restringir, impor, permitir, proibir, e podem fazê-lo sem objecção constitucional, naturalmente, desde que tenham competência para o fazer.

(…)

Se, por exemplo, o decreto presidencial de declaração do estado de emergência suspende o direito de manifestação, o Governo pode, na execução dessa declaração, proibir a realização de uma concreta manifestação mesmo que não haja qualquer disposição legal em vigor que o habilite a proibir a realização de manifestações.

(…)

Porém, toda esta construção assenta no pressuposto da existência de uma prévia suspensão do direito fundamental específico. Se não houve suspensão formal do direito, ele continua a produzir efeitos jurídicos, privando o Governo de competência legislativa própria sobre a matéria. Se não houve suspensão, o Governo já não dispõe de competência porque nem a Assembleia da República lha deu nem o Presidente da República lha podia ter dado» (Ponto 6.1 do seu artigo Direitos Fundamentais e inconstitucionalidade em situação de crise – a propósito da epidemia COVID-19, em e-Pública – Revista Eletrónica de Direito Público, vol. 7, n.º 1, Lisboa, abril de 2020).

  1. Por isso, e mais uma vez, ao legislar, sem obtenção de autorização parlamentar, sobre o direito à liberdade, restringindo-o, o Governo invadiu a esfera da competência exclusiva da Assembleia da República e, por isso mesmo, feriu com a inconstitucionalidade orgânica a norma ínsita no artigo 25.º, n.º 1 (e n.º2) do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril, na redação conferida pela RCM n.º 59-B/2021, de 13 de maio, constritora do isolamento profilático.
  2.  Amparando todas as inferências alcançadas sobre a desconformidade constitucional da norma ínsita no artigo 25.º, n.º 1 (e n.º2), do Regime anexo à RCM n.º 45-C/2021, de 29 de abril, na redação conferida pela RCM n.º 59-B/2021, de 13 de maio, convocamos, complementarmente o parecer de Jorge Bacelar Gouveia que, a páginas 102 e 103 do seu texto «Portugal e a COVID-19: balanço e perspetivas de uma Ordem Jurídica de Crise», em Revista do Ministério Público – Número Especial COVID-19, 2020, observou que:

«O estado de calamidade é a mais forte situação de crise de proteção civil, prevista na Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC) (Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, e pela Lei n.º 80/2015, de 3 de agosto), mas não coenvolve a possibilidade de suspensão de direitos fundamentais, não sendo mencionado nas hipóteses em que a CRP prevê, literalmente, que tal efeito se apresenta viável: o estado de sítio e o estado de emergência, e apenas estes.

(…)

O problema residiu em dois outros tópicos:

  • Na aplicação de medidas previstas no estado de calamidade que não podiam ser adotadas sem a concomitante cobertura do estado de emergência;
  • Na aplicação de medidas não previstas no regime jurídico do estado de calamidade como se fossem por ele previstas, o que ficou claro para quem se deu ao trabalho de ler a lista de restrições que as resoluções administrativas que o decretaram apresentavam nos seus anexos.

O primeiro deles é o de maior monta porque a situação de calamidade suscita a dúvida a respeito da sua conexão com os estados de exceção constitucional, que na CRP são o estado de sítio e o estado de emergência.

(…) Mas aí a LBPC parece reiterar o entendimento de que nenhuma das situações de crise de proteção civil, incluindo a situação de calamidade, configura qualquer tipo de exceção constitucional, porquanto a sua admissibilidade é remetida para a legislação própria, situando-se extramuros da LBPC.

Ainda assim, quanto à situação de calamidade, a LBPC não deixa de dizer que a mesma assume a natureza de um estado de necessidade administrativa (…).

É verdade que o estado de necessidade administrativa não coincide com o estado de exceção constitucional, embora possa haver zonas de conexão e até de sobreposição.

O pior, porém, é encontrar efeitos materiais da situação de calamidade que consubstanciam uma suspensão de direitos fundamentais, para o que somente se afiguram válidos aqueles estados de exceção constitucional, sendo o «estado de emergência» precisamente adequado às crises sociais de calamidade pública.

Ora, é isso o que sucede porque a situação de calamidade, ao envolver a suspensão dos direitos fundamentais de circulação, de liberdade de trabalho e de propriedade privada, configura um estado de exceção constitucional decretado administrativamente pelo Governo, que será sempre inconstitucional – tanto material como organicamente – porque decidido fora do condicionalismo estabelecido pelo artigo 19.º da CRP».

 

  1. Em sentido convergente, refere Carla Amado Gomes em «Legalidade em tempos atípicos: notas sobre as medidas de polícia sanitária no âmbito da pandemia», em Revista do Ministério Público – Número Especial COVID-19, 2020, páginas 68 e 69, referindo-se a norma semelhante àquela de que aqui cuidamos, que:

«Em face da evolução positiva da resposta à pandemia e pressionado pelos efeitos adversos na economia, o Governo português – como, de resto, os seus pares europeus – promoveu a reanimação social, de forma gradual. Para tanto, abandonou a fórmula draconiana do estado de emergência (constitucional) e amenizou o quadro através da declaração de “situação de calamidade”, com base na Lei 27/2006 — Resolução do Conselho de Ministros 33-A/2020, de 30 de Abril (doravante, RCM 33-A), Detenhamo-nos por uns mo­mentos nesta lei, em geral, para de seguida tentarmos perceber se ela proporciona o sustentáculo válido ao lote de medidas restritivas — de natureza pessoal e económica — contido na RCM 33-A.

A LBPC define a actividade de protecção civil como “a atividade desenvolvida pelo Estado, regiões autónomas e autarquias locais, pelos cidadãos e por todas as entidades públicas e privadas com a finalidade de prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram” (artigo 1.º, n.º 1). Por seu turno, no artigo 3.º caracteriza-se as noções de acidente grave e catástrofe:

“1 – Acidente grave é um acontecimento inusitado com efeitos relativamente limitados no tempo e no espaço, suscetível de atingir as pessoas e outros seres vivos, os bens ou o ambiente.

2 – Catástrofe é o acidente grave ou a série de acidentes gra­ves suscetíveis de provocarem elevados prejuízos materiais e, eventualmente, vítimas, afetando intensamente as condições de vida e o tecido socioeconómico em áreas ou na totalidade do território nacional”.

Olhando para estas noções, facilmente se conclui que elas foram construídas relativamente a um facto externo, de carácter natural ou tecnológico (ou ambos), com efeitos mais ou menos extensos do ponto de vista temporal e espacial, e susceptível de produzir lesões sobretudo na propriedade e no ambiente, eventual­mente gerando vítimas — ou seja, causando ferimentos ou mortes. As situações da vida a que se reportam essas noções são fenóme­nos meteorológicos, inundações, incêndios, acidentes tecnológicos (fugas de substâncias tóxicas), sismos e tsunamis — mas não epi­demias, cujos efeitos mais prováveis se traduzem precisamente em vítimas e cuja propagação/repetição se pulveriza pela população.»

  1. Mais reafirma esta Autora, a páginas 72 e 73 do mesmo artigo, que:

«A articulação entre estas duas normas [artigos 17.º da Lei 81/2009 e 21.º da Lei de Bases da Protecção Civil] parece atenuar a inabi­lidade da LBPC para enquadrar uma situação de emergência epidémica – repare-se que mesmo a referência a “cercas sanitárias” não atenua essa distância, uma vez que este mecanismo está pensado como forma de reacção a um acidente ou a uma cadeia de acidentes como, por exemplo, um fenómeno de contaminação atmosférica ou aquífera. Porém, nem o artigo 17.º nem o artigo 21.º contem­plam medidas reactivas que admitam determinar o confinamento doméstico ou outro, de pessoas (contaminadas, sob vigilância e sãs) – sendo certo que, quanto às sãs, a RCM 33-A fala em “dever cívico” e não associa à sua violação qualquer sanção (nomeadamente, o crime de desobediência)».

  1. Concluindo, a páginas 76 e 77, nos seguintes termos:

«Imanente à discussão doutrinal sobre o que deve ou não estar abrangido pelo princípio da tipicidade das medidas de polícia, está a defesa incondicional da liberdade contra o ar­bítrio. Portugal é hoje um Estado de Direito, e deve orgulhar-se dessa conquista. Não discuto, em geral, a necessidade das medidas restritivas adoptadas dentro e fora do quadro de excepção, mas sim o seu suporte, a sua base formal, o seu penhor de legitimi­dade. Recusar que poderes de ingerência tão intensos como intimar a população à clausura doméstica possam ser exercidos com base numa cláusula geral de prevenção de risco sanitário não é um capricho de constitucionalistas, é um dever de um juspublicista» (negrito nosso).

  1.  Com a autoridade da doutrina acabada de expor, afigura-se-nos que o Governo, ao restringir – inovadoramente, sem autorização parlamentar e fora das exceções elencadas no artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa – o direito à liberdade por meio da norma plasmada no artigo 25.º, n.ºs 1 (e 2) do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril (na redação da RCM n.º 59-B/2021, de 13 de maio), violou organicamente o Texto Fundamental, designadamente o disposto no art. 165.º, n.º 1, al. b) da CRP.
  2. Esse juízo prejudicaria, em rigor, a apreciação da questão de inconstitucionalidade material da dita norma.
  3. Para a eventualidade hipotética de assim não ser entendido, cremos que a dita  norma, contida no artigo 25.º, n.º 1 (e n.º 2) do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril (na redação da RCM n.º 59-B/2021, de 13 de maio) se revela também materialmente violadora da Constituição da República Portuguesa, designadamente do princípio do direito à liberdade ínsito no artigo 27.º, n.º 1 e dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 2 e 19.º, n.º 1.
  1. O recorrido, A., não respondeu.

Cumpre apreciar e decidir.

*

  1. Fundamentação
  1. Cabe, emprimeiro lugar, deixar uma nota para o facto de estarmos perante a fiscalização da constitucionalidade de uma Resolução do Conselho de Ministros, por se tratar de uma categoria de atos que, caracterizando-se pela internalidade face ao órgão que os produz, tradicionalmente e como decorrência do princípio da separação de poderes entendem-se insuscetíveis de controlo jurisdicional (v., sobre o assunto, J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Ed., Almedina, pp. 858-860).

A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, porém, sedimentou-se no sentido de sujeitar a controlo judicial e fiscalização da constitucionalidade as resoluções quando, apesar da forma adotada, elas exorbitem aquele plano interno e se mostrem dotadas de normatividade, ou seja, quando possuam um alcance disciplinador efetivo, conformando regra de condutacritério de decisão ou padrão de valoração de comportamentos (v., neste sentido v. C. LOPES DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, pp. 26-28 e, sobre a fiscalização de resoluções do Conselho de Ministros em especial, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 184/89 aí citado; também J. J. GOMES CANOTILHO, op. cit., posiciona-se também pela justicialidade das resoluções de “conteúdo normativo”).

Como adiante teremos oportunidade de analisar em detalhe, o RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04, na parte julgada inconstitucional pela decisão recorrida, possui uma indisputável dimensão normativa, conquanto estabelece regras para a circulação de pessoas no território e impõe restrições importantes para liberdades individuais de particulares nesse contexto, extravasando de forma patente o plano meramente interno do órgão de governo que a produziu. O diploma escapa, como tal, à proibição de controlo tributária do princípio da separação de poderes, impondo-se o controlo jurisdicional a par dos demais atos normativos sujeitos a fiscalização.

 

  1. A Essencialidade da Questão normativa para a Decisão recorrida

 

6.1. Cabe agora atermo-nos à questão prévia colocada pelo Ministério Público em alegações sobre a regularidade da presente instância de recurso. Defende o recorrente (conclusões 4.º-10.º) que a decisão recorrida possui fundamento alternativo à inconstitucionalidade que determinaria, por si só, a procedência do pedido de habeas corpus, por isso concluindo que o recurso não deve ser apreciado, porque impassível de importar alteração do julgado e, como tal, se achar desprovido de utilidade efetiva.

O recurso de fiscalização concreta apenas se poderá entender admissível e passível de apreciação de mérito nos casos em que a norma ou interpretação normativa que é seu objeto tenha sido determinante para a decisão, conformando a sua base essencial de suporte jurídico (cfr. artigo 79.º-C, 1.ª parte, da LTC e v., sobre a matéria agora abordada, C. LOPES DO REGO, op. cit, pp. 109-113 e JORGE MIRANDA, Fiscalização da Constitucionalidade, Almedina, 2017, p. 260). Caso a norma sindicada seja lateral à situação sub iudicio, o que será o caso quando a decisão tenha mobilizado outro corpus jurídico, autónomo face ao colocado, ou outra fonte de Direito como fundamento material, a questão de inconstitucionalidade (ilegalidade ou inconvencionalidade) estará deslocada do objeto do processo a que instância jurisdicional respeita e, como tal, o seu julgamento estará desprovido de alcance prático. Nessas situações, o juízo sobre o recurso pelo Tribunal Constitucional não estará devidamente enquadrado com a temática processual subjacente e não será apto a interferir com os fundamentos normativos da decisão e, por inerência, não possuirá impacto no desfecho da causa, resultando globalmente inútil.

Dito de outro modo, caso seja possível concluir que a decisão recorrida possui fundamento normativo alheio à questão de inconstitucionalidade (v. g., a título alternativo ou subsidiário), não se poderá entender a questão sindicada como determinante do desfecho do processo em que a instância de recurso se acha enxertada. A ser assim e ainda que este Tribunal Constitucional revisse o juízo de conformidade constitucional, o efeito que é próprio às decisões na presente instância (impondo ao foro “a quo” nada mais que a reforma da decisão em função desse juízo – cfr. artigo 80.º, n.ºs 2 e 3 da LTC), seria insufiente para que o recurso importasse a alteração do julgado: sempre subsistiria o juízo decisório, incontornável e insindicável, de que a temática não poderia impôr outro desfecho final (v. C. LOPES DO REGO, op. cit., pp. 62-63 e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 282/11).

     6.2. No entanto e em essência, a decisão de provimento ao pedido de habeas corpus assenta apenas no juízo de inconstitucionalidade, material e orgânica, do artigo 25.º do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04. O Tribunal “a quo” aponta ao preceito a violação do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 1 e 2, 27.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, al. b), todos da Constituição da República e foi com base nesse entendimento que concluiu pela procedência do requerido, ex vi artigo 220.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPP (cfr. fls. 67v-68). Não vemos que exista, para além deste e a título alternativo ou subsidiário, qualquer outro suporte para a decisão.

     Haverá que conceder, porém, que existe uma referência na decisão recorrida que introduz algum ruído, já que do texto consta que “a situação de confinamento profilático a que o requerente está sujeito” é “ilegal” (cfr. fls. 68). O emprego deste étimo poderia sugerir um fundamento autónomo ao juízo de inconstitucionalidade, essoutro referente ao desrespeito de norma infraconstitucional e parece ter sido nesse sentido que o Ministério Público compreendeu a decisão recorrida.

Sucede, porém, que o termo não foi utilizado na sua aceção mais habitual: pela expressão transcrita não se pretendeu sinalizar uma questão de ilegalidade em sentido estrito (ou seja, de desrespeito a norma infraconstitucional) que estivesse a par do problema de desconformidade da norma aplicável para com a Constituição e que pudesse dizer-se suporte normativo autónomo do decidido ou alternativo ao juízo de inconstitucionalidade. Pelo contrário, a decisão remete no excerto citado, precisamente, para a contrariedade aos citados preceitos da Lei Constitucional, arrolados de forma discriminada logo de seguida no mesmo segmento do texto (“artigo 19.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 1 e 2, 27.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, al. b) da CRP” – cfr. fls. 68). O étimo “ilegal” foi empregue, então, apenas por referência aos requisitos da providência de habeas corpus (artigo 220.º, n.º 1, alínea d) do CPP: “ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite”), não existindo um juízo de ilegalidade independente ou destacável do juízo de reprovação da norma por inconstitucionalidade.

     Em face do exposto, concluímos não estar precludida a utilidade do presente recurso. Conquanto a questão de inconstitucionalidade consubstancia o fundamento exclusivo da decisão, a sua revisão na presente sede de fiscalização concreta possuirá impacto direto no julgado, achando-se o recurso, por necessária deriva, dotado de adequada natureza instrumental face à causa principal e possuindo utilidade efetiva, por ser apto a importar a inversão do sentido decisório alcançado (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 79.º-C e 80.º, n.ºs 1 e 2, todos da LTC).

  1. Finalmente,vejamos agora que, como sublinha o Ministério Público nas alegações de recurso, o objeto desta instância terá de se considerar sensivelmente mais estreito que aquele que se fez constar do requerimento de interposição.

Repescando o que dissemos supra, o recurso de fiscalização concreta apenas se admite quanto a normas que hajam possuído alcance operativo na decisão recorrida, determinando de forma essencial o seu sentido decisório, o que não é o caso de todo o âmbito normativo do artigo 25.º do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04. O dispositivo legal sindicado possui o seguinte conteúdo:

Artigo 25.º

Regras aplicáveis ao tráfego aéreo em matéria de confinamento obrigatório

1 – Os passageiros dos voos com origem em países que integrem a lista a definir nos termos do n.º 4 devem cumprir, após a entrada em Portugal continental, um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde, não se considerando origem, para efeitos da presente norma, uma escala aeroportuária em qualquer desses países.

2 – O disposto no número anterior é ainda aplicável aos passageiros de voos com origem inicial na África do Sul, no Brasil e na Índia, que tenham feito escala ou transitado noutros aeroportos, e aos passageiros de voos, independentemente da origem, que apresentem passaporte com registo de saída da África do Sul, do Brasil ou da Índia nos 14 dias anteriores à sua chegada a Portugal.

3 – Estão excecionados do disposto nos números anteriores, devendo limitar as suas deslocações ao essencial para o fim que motivou a entrada em território nacional, os passageiros que:

  1. a) Se desloquem em viagens essenciais e cujo período de permanência em território nacional, atestado por bilhete de regresso, não exceda as 48 horas;
  2. b) Se desloquem em viagens essenciais no âmbito dos eventos organizados pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, independentemente do período de permanência;
  3. c) Se desloquem exclusivamente para a prática de atividades desportivas integradas em competições profissionais internacionais, constantes de lista a definir nos termos do número seguinte, desde que garantido o cumprimento de um conjunto de medidas adequadas à redução máxima de riscos de contágio, nomeadamente evitando contactos não desportivos, e a observância das regras e orientações definidas pela DGS.

4 – Os membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros, da defesa nacional, da administração interna, da saúde e da aviação civil determinam, mediante despacho, a lista dos países a que se refere o n.º 1 e a lista de competições desportivas a que se aplica o disposto na alínea c) do número anterior.

5 – As companhias aéreas remetem, no mais curto espaço de tempo, sem exceder 24 horas após a chegada a Portugal continental, às autoridades de saúde a listagem dos passageiros provenientes de voos, diretos ou com escala, com origem nos países que integram a lista prevista no número anterior, com vista a dar cumprimento ao disposto no n.º 1 e na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º

6 – No âmbito da fiscalização do cumprimento do disposto no presente artigo, compete ao SEF, com base numa análise de risco, verificar o país de origem dos passageiros ou onde estes realizaram o teste molecular por RT-PCR, disponibilizando-o informaticamente às autoridades de saúde.

     Na decisão recorrida, porém, ficou apenas em causa a imposição de confinamento obrigatório ao visado por ter viajado para território português em voo com origem na República Federativa do Brasil. O âmbito normativo da decisão cinge-se, por isso, ao disposto no artigo 25.º, n.ºs 1 e 4, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04, que impõe a necessidade de reclusão por período de catorze dias nessas circunstâncias, resultando todo o mais do programa normativo irrelevante.

Designadamente e embora também seja aí referida, da leitura da decisão não resulta que a obrigação de confinamento contra a qual o requerente reagiu pela petição de habeas corpus seja resultado de escala no território brasileiro, pelo que se afasta a sindicância do artigo 25.º, n.º 2, do diploma, que teria operatividade noutra tipologia de situações que não a colocada no caso sub iudicio.

     Assim, o objeto deste recurso de fiscalização concreta limitar-se-á ao artigo 25.º, n.ºs 1 e 4, do diploma, ora por força das citadas condicionantes à instância que derivam da necessidade de relação de instrumentalidade do recurso para com a causa principal e de utilidade efetiva na subsistência e sentido da decisão recorrida (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 79.º-C e 80.º, n.ºs 1 e 2, todos da LTC).

  1. Definido que está o objeto do pedido de fiscalização passível de apreciação, relembremos agora que a Res.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 aprovou a situação de calamidade no território nacional ao abrigo do disposto no artigo 17.º da Lei n.º 81/2009 de 21.08 (Lei que institui o Sistema de Vigilância em Saúde Pública) e dos artigos 8.º, n.º 6 e 19.º da Lei n.º 27/2006 de 03.07 (Lei de Bases da Proteção Civil) por resposta à situação pandémica decorrente da disseminação mundial do vírus SARS-Cov2, denominada COVID19, nesse contexto surgindo a consagração da obrigação de confinamento presente no artigo 25.º, n.º 1, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 sob sindicância.

Por aqui se inicia o nosso percurso apenas para fazer ver que a situação de calamidade a que aludem estes dois diplomas não conforma estado de exceção ao regime constitucional de eficácia dos direitos, liberdades e garantias que admitisse restrições ao seu exercício ou regime de eficácia pleno. A Lei Fundamental é perentória em proibir a criação de «estados de exceção constitucional atípicos», ou seja, a introdução de regimes legais de suspensão de direitos, liberdades e garantias fora do disposto pelo artigo 19.º, n.º 1, da Constituição da República:

a «situação de calamidade» não tem relevância constitucional para efeitos de suspensão de direitos, liberdades e garantias, relevando para esse efeito apenas a «calamidade» que funda a declaração do estado de emergência (artigo 19.º, n.º 2, da Constituição) – «[o] estado de emergência constitucional é declarado com o objetivo de promover o regresso à normalidade. A situação de calamidade administrativa visa o mesmo objetivo, mas, em vez de atuar por via da suspensão dos direitos fundamentais, persegue-o no âmbito de um quadro legislativo que envolve restrições específicas e predefinidas desses mesmos direitos»

(v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 424/2020, citando M. NOGUEIRA BRITO, Modelos de emergência no direito constitucional, revista e-Pública, vol. 7, n.º 1, abril de 2020, disponível em www.e-publica.pt, p. 8)

Assim, o decretamento de situação de calamidade que amparou a introdução no ordenamento da norma fiscalizada em nada impacta o processo de avaliação da sua compaginação constitucional a que agora procedemos.

Por sua parte, não oferecerá dúvidas de maior que estabelecer “um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde” (cfr. artigo 25.º, n.º 1 do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04) para passageiros de voos oriundos de um grupo de países fixados por despacho conjunto dos “membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros, da defesa nacional, da administração interna, da saúde e da aviação civil” (artigo 25.º, n.º 4 do diploma) consubstancia uma norma legal determinativa de condições para a limitação temporária da liberdade de movimentos dos visados, suscitando a defesa constitucional da liberdade física da pessoa humana.

No ambiente complexo colocado pela pandemia SARS-Cov2, foram aprovados vários diplomas legais com disposições congéneres face à que se acha agora sob fiscalização e vem-se assistindo a alguma divisão na doutrina sobre o espaço de defesa constitucional suscitado por este tipo de restrições à liberdade. Há quem defenda estar caracterizada uma ingerência no direito à liberdade patenteado no artigo 27.º da Constituição da República e, em oposição, quem proponha tratar-se do espaço de tutela do direito de deslocação preceituado no artigo 44.º da Lei Fundamental. Numa terceira vertente do problema, também o âmbito de defesa do direito à liberdade e a medida por que se podem entender autorizadas medidas restritivas tem sido objeto de controvérsia, caso este parâmetro se entenda operante nestas situações.

Assim, antes de nos propormos chegar a conclusões, cabe-nos realizar uma breve abordagem preliminar sobre estas matérias, destacando as diferenças de regime eficácia constitucional, já que disso dependerá de sobremaneira a solução a cometer no caso sub iudicio.

 

  1. Direito à Liberdade         

     9.1. O artigo 27.º, n.º 1 da Constituição da República integra no catálogo de direitos, liberdades e garantias o direito à liberdade, aqui reportando à liberdade física ou corporal da pessoa humana, de arbítrio de movimentos e de circulação ambulatória. Resulta do preceito a cobertura constitucional do direito a não ser detido, preso, recluído ou confinado a determinado espaço físico, de não ser impedido de ir e de vir, de realizar ações de deslocação espacial, seja por imposição de autoridades públicas ou de terceiros. Da mesma forma, daqui decorre o direito a proteção estadual contra atos lesivos dessas liberdades (v., sobre o assunto, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 478 e acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 424/2020 e 479/94, para que remete o primeiro dos arestos citados).

     A suma importância do direito à liberdade na Lei Fundamental coroa-se, desde logo, pelo acolhimento de princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade, que é dizer, os n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição da República conformam um elenco fechado de legitimação a medidas legislativas que importem privação, total ou parcial, do direito à liberdade corporal.

     A este respeito, o catálogo de medidas privativas consentido compreende as que resultem de sentença judicial condenatória (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), o que se entenderá decorrência direta do princípio geral de segurança pública. Depois, para além do caso particular da prisão disciplinar em contexto militar (artigo 27.º, n.º 3, alínea d)), contam-se as medidas fundadas em necessidades cautelares e de urgência no âmbito da ação penal, aqui se incluindo a prisão com carácter preventivo e sem culpa formada (27.º, n.º 3, alíneas a), b), f) e g)) e as providências judiciárias determinadas por Tribunais no âmbito de processos judiciais de tutela de crianças e jovens (27.º, n.º 3, alínea e)). Finalmente e orientando-se agora para o domínio administrativo, a Constituição admite medidas de privação da liberdade no quadro de processos de extradição ou de expulsão do país de cidadãos estrangeiros ou (27.º, n.º 3, alínea c)) e, bem assim, as que constituam resposta a situação clínica de portadores de anomalia psíquica que representem perigo para a segurança pública (27.º, n.º 3, alínea h)).

O exposto permite desde já afastar duas formas, já antes propostas, de compreender o âmbito de tutela do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Foi já defendido que este cinge-se ao confronto da liberdade de locomoção com medidas jurídico-penais ou processuais-penais que com ela interfiram: “pode afirmar-se que o artigo 27.º se limita à proteção da pessoa perante qualquer supressão ou redução da sua liberdade de movimento de âmbito penal (…) é esta inserção do artigo 27.º no âmbito dos direitos fundamentais de âmbito penal que justifica a rigidez do respetivo regime” (M. NOGUEIRA DE BRITO, Pensar no estado da exceção na sua exigência, Observatório Almedina, 02/04/2020).

Também já se defendeu, por outra parte, que o artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa se limita à defesa contra a reclusão em estabelecimento estatal, ou seja, à privação da liberdade por meio de custódia pública. Para esta segunda corrente, está em causa a defesa contra uma forma específica de restrição da liberdade particularmente grave e intensa, caracterizada por constituir decorrência do poder estadual e pela imobilização da pessoa humana em instituições públicas, sejam elas de natureza penitenciária, administrativa, tutelares-educativas ou de saúde.

Para estas duas posições interpretativas, o direito fundamental constante do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa teria o seu âmbito de proteção da liberdade cingido a um destes dois domínios, excluindo todos os outros casos de restrição da liberdade física. O arbítrio de movimentos estaria garantido, em tudo o mais, no artigo 44.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (direito de circulação), que assim se compreenderia agasalhando a generalidade das manifestações do direito à autodeterminação ambulatória.

Esta não é a forma como a doutrina e a jurisprudência têm pensado o direito à liberdade, a contraluz da Constituição da República ou da Convenção dos Direitos do Homem, cujo artigo 5.º teria de ser compreendido também nestas perspetivas altamente restritivas do seu âmbito normativo. Não se divisa fundamento para limitar o espaço de tutela da liberdade recenseada no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa a qualquer um destes dois ambientes específicos ou formas de ingerência e as duas posições, a nosso ver, resultam embargadas pelo próprio texto da Lei Fundamental.

Senão veja-se que, a ser assim, teríamos de poder encontrar no quadro de autorizações constitucionais à privação da liberdade patenteado no artigo 27.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa expressões destas formas de observar o âmbito de tutela do direito. De facto, porque estatuídas com referência ao n.º 1 do artigo 27.º, todas elas teriam que respeitar a formas de privação da liberdade ambulatória que se caracterizassem por providências em contexto processual-penal (assim suportando o entendimento daquela primeira posição interpretativa) ou a formas de reclusão em estabelecimentos públicos (suportando o entendimento da segunda).

De facto, as alíneas c), e) e h) do n.º 3, do artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa consubstanciam formas de privação da liberdade no âmbito de processos administrativos (processos de expulsão de estrangeiros irregularmente em território nacional), da tutela de crianças e jovens (processos tutelares educativos) e no domínio da segurança pública, em casos de perigo com fonte em perturbações da saúde mental (processos de internamento compulsivo), respetivamente. Admitindo que, nesses casos, a pessoa seja privada da liberdade, caracteriza-se, pois claro, as situações reguladas como em princípio subsumíveis ao âmbito de tutela do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e não merece dúvidas que, em todos eles, não nos cruzamos com o catálogo de interesses com que o Direito do Crime se ocupa.

Quanto ao segundo grupo, a detenção (alíneas a), b), 1.ª parte, c), 2.ª parte, f) e g)) é, por sua natureza, uma medida de natureza breve e transitória, esgota-se num procedimento de privação da liberdade temporalmente limitado e com propósito definido passível de ser rapidamente obtido, que de modo nenhum se caracteriza (antes se opõe, enquanto conceito) pela reclusão em estabelecimento estadual da pessoa detida. Também as “outras medidas coativas” autorizadas pela alínea c) do mesmo preceito (reportando a processos de expulsão de cidadãos estrangeiros em situação irregular no território) não respeitam à privação da liberdade por via da sujeição da pessoa a ingresso em estabelecimento estadual, já que disso se ocupa a 1.ª parte da mesma alínea (“prisão”). Assim, não é sustentável que o artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa tenha por implícita a custódia em estabelecimento público na definição do seu âmbito de aplicação.

De mais radical, acresce ainda que o carácter fragmentário das situações de privação à liberdade autorizadas e a heterogenia de interesses jurídicos que as suportam conduzem também à conclusão de que se trata de um direito cujo âmbito de eficácia perpassa lateralmente os domínios do jurídico, sem se confinar a uma forma específica de confronto do sujeito com o poder estadual.

De resto, a defesa da liberdade ambulatória é também eficaz nas relações horizontais, entre particulares, não se cingindo à proteção contra o poder público. A vinculação da pessoa humana (não apenas o poder estadual) ao espaço negativo definido por este direito fundamental permite compreender a incriminação do sequestro (artigo 158.º do Código Penal (CP); v. A. TAIPA DE CARVALHO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Ed., 1999, p. 404 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.05.2008 no Proc. 1243/2008-5) e, talvez um exemplo mais claro, a liberdade de locomoção é entendida como integrante da cláusula civil de tutela da personalidade (cfr. artigo 70.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil; v. R. CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra Ed., 2011, pp. 262 e ss).

A liberdade patenteada no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa deverá ser observada, por conseguinte e também para os efeitos colocados, na sua aceção tradicional, distendendo-se a toda e qualquer forma de coartação da liberdade física do ser humano, como vem sendo entendido de forma consistente pela jurisprudência constitucional:

Está em causa, em suma, no artigo 27.º da Constituição, “[…] o direito à liberdade física, à possibilidade de movimentação sem constrangimentos. Tutela-se aqui, conforme tem sido consensualmente reconhecido, um aspeto parcelar e específico das diversas dimensões em que se manifesta a liberdade humana, o direito à liberdade física, entendida «como liberdade de movimentos corpóreos, de ‘ir e vir’, a liberdade ambulatória ou de locomoção» (cfr. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 638) ou como «direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar» (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 478). É este também o entendimento que, de forma reiterada, tem sido sustentado pelo Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os acórdãos n.os 479/94, 663/98, 471/2001, 71/2010, 181/2010 e 54/2012)” (Acórdão n.º 204/2015), incluindo “o direito de não ser aprisionado ou fisicamente impedido ou constrangido por parte de outrem” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 479)” (v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 88/2022)

9.2. Sem prejuízo do que viemos de expor, existe uma outra dificuldade importante ao definir a extensão do elenco típico constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Lei Fundamental.

De facto, a terminologia adotada pelo texto constitucional estabelece a tipicidade das autorizações a ingerência que se traduzam na privaçãototal ou parcial, da liberdade física, parecendo por isso deixar de fora outra formas de intrusão (que não a privação, total ou parcial) no direito. Estas, sendo assim, não se podem dizer limitadas pelo quadro típico do artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa. Neste sentido, veja-se que, relativamente a outros direitos fundamentais, as autorizações a ações intrusivas são realizadas tendo por referência “restrições” a esses direitos (cfr., v. g., artigos 26.º, n.º 4 e 47.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa), o que sugere, nestoutros casos, a adoção de um critério diferente na definição da proibição a iniciativas ingerentes, sejam exemplo os atos legislativos. Associa-se a esta observação o facto de o próprio texto constitucional conhece a distinção entre medidas privativas e meramente restritivas da liberdade, já que as refere de forma autonomizada em vários preceitos (cfr. artigo 30.º, n.ºs 1, 2 e 5 e 33.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa).

Assim, é de presumir que o artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, da Lei Fundamental adotou os termos que nele se observam (“privado” e “privação”) com intencionalidade, reportando-se apenas às primeiras ao definir o elenco fechado que aí se estabelece e, por isso, admitindo outras medidas limitativas da liberdade, desde que não-qualificáveis como «privações da liberdade».

Dito de outro modo, restrições da liberdade que possam ser entendidas como não constituindo privação da liberdade poderão ser introduzidas no ordenamento jurídico pela lei ordinária sem que embatam no obstáculo de não se acharem autorizadas pelos n.ºs 2 ou 3 da Constituição da República Portuguesa, ficando apenas subordinadas ao crivo geral do regime geral dos direitos, liberdades e garantias patenteado no artigo 18.º da Lei Fundamental.

A jurisprudência constitucional oferece respaldo a esta forma de compreender o direito à liberdade e seu regime de ingerência, já que, chamando à colação a experiência do Direito alemão – que conhece uma distinção clara entre restrição da liberdade (Freiheits-beschränkung – artigo 104.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha) e privação da liberdade (Freiheitsentziehung –artigo 104.º, n.ºs 2 a 4 do diploma) –, adotou uma distinção dicotómica entre tipos de intrusão no respetivo espaço de tutela:

Segundo Maunz-Dürig, a privação da liberdade (Freiheitsentziehung) existe quando alguém contra a sua vontade é confinado, coactivamente, através do poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída. Local delimitado (eng umgrenzter Ort) pode ser o espaço de um edifício ou um acampamento. Haverá ainda privação da liberdade quando a pessoa detida puder deixar o estabelecimento prisional para trabalhar sob vigilância das autoridades prisionais.

A mera limitação de liberdade (Freiheits-beschränkung) existe quando alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e facticamente acessível ou de permanecer num certo espaço. A liberdade de movimentação não é, assim, em contraposição à privação da liberdade, subtraída, mas apenas limitada numa certa direcção (cfr. Grundgesetz, Kommentar, § 104, 6 e 12).

A privação da liberdade traduz-se numa perturbação do âmago do direito à liberdade física, à liberdade de alguém se movimentar e circular sem estar confinado a um determinado local, sendo a essência do direito atingida por um determinado tempo (que pode ser, aliás, de duração muito reduzida).

A limitação ou restrição da liberdade (que não implique a sua privação) concretiza-se através de uma perturbação periférica daquele direito mantendo-se, no entanto, a possibilidade de exercício das faculdades fundamentais que o integram.

É significativo que a previsão do crime de sequestro, de que trata o artigo 160º do Código Penal, seja dirigida contra “quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa, ou de qualquer forma a privar da sua liberdade” utilizando-se na sua formulação uma terminologia suportada nos conceitos de pri­são, detenção, privação e confinamento da liberdade em determinado espaço, extraindo-se de todos eles uma mesma consequência na moldura do respectivo tipo legal de crime, qual seja, a da privação da liberdade do sequestrado.

(v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 479/94)

Assim, estaremos perante uma mera restrição quando a medida se limite a proibir o acesso de um sujeito a um espaço ou quando proíba a sua permanência nele, impondo-lhe que se retire de determinado locus. Nestes casos, a ingerência no direito não precisa de encontrar respaldo constitucional no elenco do artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República, cingindo-se a sua compaginação constitucional ao regime geral dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º do mesmo diploma). Já não assim quando se esteja perante a supressão da liberdade de movimentos de uma pessoa em todas as direções, confinando-a a um espaço fisicamente delimitado: nestes casos, a medida terá de encontrar fundamento no elenco de autorizações à privação da liberdade previsto nos citados preceitos da Lei Fundamental, já que será subsumível a essa noção.

Perante a dificuldade de se discernir com segurança se se está perante uma situação ou outra, a jurisprudência alemã oferece ainda um critério adicional para aferir do carácter privativo da liberdade, defendendo se avalie “a intensidade, a duração da afetação e eventualmente outras circunstâncias” para que daí se extraiam conclusões sobre a qualificação da limitação no direito (J. de MELO ALEXANDRINO, “Devia o direito à liberdade ser suspenso? – resposta a Jorge Reis Novais”, Observatório Almedina, 07/04/2020). Esta posição, porém, não é transponível para a ordem jurídica nacional, já que a Constituição Portuguesa, ao contrário da alemã, sujeita expressamente ao regime especial dos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º, tanto a privação da liberdade total como a meramente parcial, não permitindo que se afira da classificação da ingerência em função do grau por que opera a privação.

Nesse pressuposto, a qualificação de uma limitação na liberdade como privação depende da forma como a ação intrusiva realiza a sua função inibidora, mas já não que exista uma verdadeira anulação da autodeterminação ambulatória ou uma forma de privação do direito de especial intensidade (v. g., reclusão em estabelecimento prisional ou em cárcere policial). A ingerência merecerá a qualificativa de “privação da liberdade” e será aplicável o âmbito defensivo conferido pelo elenco típico referido supra, pois, ainda que se ache dotada de menor grau de afetação, seja (v. g.) por se limitar a períodos temporais curtos ou por admitir alguma latitude de movimentos ao visado.

Nesse pressuposto e em suma, o conceito de privação da liberdade será aferido em função do modo como a medida opera o efeito restritivo no sujeito: se for dado local que se determina proibido à pessoa (impedindo o sujeito de para ele se deslocar ou de nele permanecer), então estaremos perante uma medida meramente restritiva da liberdade; se for o sujeito que se diz proibido de realizar ações ambulatórias, então a medida entender-se-á privativa, ainda que essa privação seja meramente parcial, como será o caso quando confira alguma latitude de alívio ao comando proibitivo (v. g., reclusão a um acampamento, a um quarteirão, a um bairro, a um complexo habitacional, etc.) ou seja temporalmente condicionada (v. g., algumas horas ou menos de uma semana).

9.3. Posto isto e procurando progredir na nossa análise, importa ainda anotar que a Constituição impõe ainda, quanto a todas as medidas privativas de liberdade que autoriza, um estatuto jurisdicional de decretamento ou de controlo. Assim, a privação da liberdade terá de ser determinada por órgão judicial ou, não sendo assim, terá de ser objeto de controlo jurisdicional subsequente, deixando implícita a necessidade de uma conexão ajustada ao tempo entre a ablação da liberdade e o controlo judicial póstumo (cfr. artigo 27.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República).

Finalmente, porque o direito à liberdade se inclui no elenco de direitos, liberdades e garantias, a legitimidade de ingerências dependerá ainda de obediência pelo respetivo regime de força jurídica, recenseado no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República, assim quanto à salvaguarda do âmbito mínimo e irredutível do direito e à obediência a critérios de necessidade (impreteribilidade da medida para salvaguarda do interesse legítimo sinalizado), adequação (relação de instrumentalidade para com a finalidade de tutela) e proibição de excesso (traduzindo-se no meio menos oneroso de obtenção do efeito protetivo; v., por tudo, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pp. 479-480). Quando estejamos perante norma legal que estabeleça uma forma de privação de liberdade, sendo assim, não bastará que a medida encontre agasalho no elenco típico definido pelos artigos 27.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa para que se entenda constitucionalmente suportada, será necessário, ainda e também, que se justifique a contraluz desta pauta específica, lateral aos direitos fundamentais que partilham da sua natureza (cfr. artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa).

  1. Direito de Deslocação

Por sua vez, o artigo 44.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estabelece na ordem jurídico-constitucional portuguesa o direito à deslocação e a liberdade de escolha do local de residência no território. A doutrina encontra neste preceito “duas vertentes: por um lado, [o direito] a não ser impedido de deslocar-se para certa região (ou dentro de certa região) ou de nela ir fixar residência; por outro lado, o não ser obrigado a confinar-se em certo local ou região ou aí fixar residência (proibição de «desterro» ou de «residência fixa»). Trata-se de garantir o direito de deslocação interterritorial, sendo óbvio que o seu âmbito normativo se estende à deslocação inter-regional, bem como à deslocação intermunicipal (interlocal) sem limitações, interdições ou fronteiras internas.” (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 632).

Não há dúvidas, portanto, que a liberdade de deslocação no território, se se pode entender, em termos latos, uma derivação ou consequência da liberdade ambulatória, já que respeita também ao arbítrio de movimentos, consubstancia uma forma de tutela peculiar e diferente em essência: o direito de deslocação reporta-se à liberdade de circular entre (e nas) «unidades territoriais» do país, entre (e nas) localidades ou outras circunscrições administrativas (distritos, concelhos, freguesias, etc.) de forma livre. Por esta via se proíbem barreiras ao livre trânsito de pessoas no interior do território, interditando-se a criação de fronteiras intranacionais. O direito é conferido com referência ao espaço nacional (ou a um segmento interterritorial), não incidindo diretamente sobre a perspetiva da corporeidade física da pessoa humana e do seu direito a movimentar-se.

Procurando ilustrar com um exemplo, será diferente dizer-se que dada pessoa está proibida de se deslocar para fora do espaço “x” (privação da liberdade), que dada pessoa está proibida de se deslocar para o espaço “y” (restrição não-privativa da liberdade) ou que a localidade ou arruamento “k” estão interditas ao trânsito de uma pessoa ou de toda a população (restrição do direito à circulação).

Daqui resulta também que pode existir alguma sobreposição dos âmbitos de tutela dos dois direitos fundamentais nos dois últimos casos ora enumerados, já que com certeza que a proibição de uma pessoa aceder a uma praça pública ou a uma freguesia representa uma restrição tanto no direito de circulação, como na liberdade ambulatória, mas nem por isso estes se confundem, em face do critério supra oferecido. Num segundo exemplo ilustrativo, é de ver que a proibição imposta a um indivíduo de se aproximar de uma pessoa ou da residência de uma outra pessoa, onde quer que seja que esta se encontre ou venha a fixar domicílio (cfr., v. g., artigo 152.º, n.ºs 1, 4, 1.ª parte e 5, 2.ª parte, ambos do Código Penal), não merece dúvidas conformar uma restrição (não-privativa) da liberdade patenteada no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. No entanto, não tendo por referência uma localização territorial específica, não consubstancia uma forma de ingerência no direito conferido pelo artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa. Senão, veja-se que esta proibição será eficaz caso a pessoa atingida pela restrição na liberdade pretenda deslocar-se de um local em país estrangeiro para outro local noutro país estrangeiro em desrespeito da interdição, o que, como é evidente, não reporta ao direito de deslocação em território nacional (e de emigração) de que cuida o direito de deslocação.

O plano normativo do artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa, enfim, distingue-se da liberdade conferida pelo artigo 27.º, n.º 1, do mesmo diploma por não oferecer proteção às restrições da liberdade ambulatória que ocorram no interior de dado espaço geográfico do território ou que não sejam estabelecidas com referência a um segmento territorial, e, sendo assim, na sua dimensão individual ou personalística, o arbítrio de movimentos não é por ele tutelado.

O direito de deslocação está também incluído no catálogo de direitos, liberdades e garantias, beneficiando do inerente regime de eficácia consagrado no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, mas cabe sublinhar – e é questão de grande importância –, não se coloca neste domínio um elenco fechado de autorização a ingerências congénere ao que acima expusemos relativamente ao direito à liberdade patenteado no artigo 27.º da Constituição da República, resultando muito maior latitude ao legislador infraconstitucional para fixar soluções legais restritivas deste direito.

  1. A norma-objeto e a Tutela constitucional

11.1. Repescando o programa normativo sob sindicância, é de notar que o artigo 25.º, n.º 1 do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 impõe a viajantes, se oriundos de proveniências determinadas nos termos do n.º 4 do mesmo articulado, isolamento profilático em domicílio, ou noutro local indicado pelas autoridades, durante catorze dias.

A contraluz do critério acima exposto, porque a norma define a proibição de movimentos por referência à pessoa humana que se encontre nas condições nela previstas – e não por referência a um local ou espaço que lhe estivesse vedado, a que estivesse impedida de aceder ou em que lhe fosse proibido permanecer –, não há dúvidas de que estamos, não perante uma mera restrição no direito à liberdade corporal acolhido no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, mas perante uma forma de privação de liberdade, que por isso teria de se entender autorizada pelo disposto nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, sob pena de inconstitucionalidade material.

Contra este entendimento, já demos nota que uma parte da doutrina (M. NOGUEIRA DE BRITO, op. cit.) defende que o direito à liberdade não está em causa por via das obrigações de confinamento criadas no âmbito da pandemia SARS-Cov2 (de que é exemplo a norma do artigo 25.º, n.º 1, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 sob fiscalização) por não se tratar de medida de natureza jurídico-penal ou processual-penal. Da mesma forma, para quem entenda que o artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República se cinge à defesa da liberdade ambulatória contra a institucionalização estadual, igualmente afastará o seu espaço de tutela nesta tipologia de casos, já que a obrigação de isolamento estabelecida pela norma sindicada não compreende, em princípio, ingresso em estabelecimento público.

É por sobre estas duas formas de compreender o artigo 27.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (de si, díspares), restringindo o seu raio de proteção e definindo casos de exclusão da sua aplicabilidade, que ambas as posições se alavancam para proporem que, nas situações de confinamento domiciliário em contexto pandémico, a medida legislativa consubstanciará ingerência no artigo 44.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, não no direito à liberdade corporal patenteado na primeira das disposições, afastando assim o regime de eficácia reforçado desta última (n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Lei Fundamental).

Já fizemos ver que não divisamos fundamento para descaracterizar o direito à liberdade ambulatória ou para comprimir o seu âmbito de tutela nos termos propostos, que, como se disse, dificilmente se ajustam ao texto constitucional. Não apenas isso, cabe agora relembrar que o artigo 44.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa não respeita à liberdade física do ser humano e à defesa contra a imobilização do seu corpo, antes reporta à indivisão do território português para efeitos circulatórios e à garantia do direito à migração e de locomoção no interior do espaço nacional. O direito à deslocação não defende o ser humano contra a reclusão do seu corpo a um espaço físico, que é o efeito mais próprio da norma sindicada; o que ali se consagra, como antes expusemos, é o impedimento constitucional a que existam obstáculos à circulação pelo território do país, observado este no seu conjunto como unidade sujeita à soberania da República (artigo 5.º), o que de modo nenhum se pode entender ser o alvo ou o efeito da norma sindicada.

Vale a pena sublinhar que a questão seria sensivelmente diferente, pois claro, no caso das chamadas «cercas sanitárias», medidas normativas também adotadas no contexto da pandemia SARS-Cov2 que impuseram proibições de circulação entre concelhos (ou entre alguns concelhos) durante certos períodos de tempo (cfr., por exemplo, n.º 3, corpo do texto, do Despacho n.º 3372-C/2020, de 17.03 da Presidência do Conselho de Ministros e Administração Interna, n.º 2, alínea g) e artigos 13.º, alínea b) e 50.º, alínea a), todos da Res.CM n.º 45-C/2021, de 30.04 e, também, n.º 2, alínea c), da Res.CM n.º 10-D/2020, de 19.03). Nessas situações, está-se perante atos normativos restritivos do direito de deslocação, já que não se colocou em causa a imobilização da pessoa humana ou a sua reclusão a um espaço físico, antes se impôs uma proibição de trânsito entre áreas administrativas, espartilhando o território nacional por via de atos normativos.

É certo que, dependendo da forma como forem definidas, também estas medidas podem conflituar com o direito à liberdade na dimensão restritiva ou mesmo privativa do direito, mas, em qualquer caso, não é esse o objeto do recurso em apreciação, que, sendo assim, não mobiliza o direito à circulação como parâmetro de aferição da constitucionalidade da norma fiscalizada.

Por outro lado, também não preclude a qualificação do efeito produzido pela obrigação de confinamento como privativo da liberdade o facto de se tratar de uma reclusão domiciliária que, por sua natureza, deixará ao indivíduo alguma disponibilidade de controlo do seu quotidiano (v. g., observância de horários para repouso e atividade, disponibilidade para trabalho ou lazer, para contactos sociais por meios de comunicação à distância, etc.). Como acima dissemos, não é o grau de privação do direito, tanto menos o local onde alguém é recluído, que caracteriza (ou descaracteriza) a privação da liberdade, mas o efeito de imobilização corporal que é imposto.

A este respeito, podemos chamar à colação o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) de 6 de novembro de 1980 (Guzzardi vs Itália). Estava em causa neste processo uma medida a que as autoridades italianas sujeitaram um cidadão dessa República, suspeito de estar envolvido em atividades de crime organizado. O indivíduo foi colocado sob custódia pública e, sem imposição de barreiras físicas, foi proibido de se movimentar para fora de um raio igual a cerca de 5% do território de uma ilha italiana. Enquanto esteve sujeito à medida, entre as 07h00 e as 22h00, era possível a Guzzardi abandonar o espaço onde se achava domiciliado pelas autoridades e circular livremente pela área da ilha que lhe estava designada. Por outro lado, a sua mulher e o seu filho residiram com ele durante a melhor parte do tempo em que permaneceu na ilha, ele era livre de conviver com quem entendesse de entre a população insular, podia deslocar-se à Sardenha ou ao continente, desde que obtivesse previamente autorização para o efeito e foi-lhe admitido corresponder-se com terceiros por carta, telegrama ou por telefone, sem restrições de tempo ou de contactos. As únicas contingências a que de facto Guzzardi esteve sujeito respeitavam, pois, à impossibilidade de abandonar a zona insular definida pelas autoridades e, bem assim, à existência de vigilância policial permanente para controlo da situação coativa a que o cidadão ficou sujeito.

Segundo a República de Itália, estas condições eram de tal forma distantes da detenção prisional que não se poderia entender estar-se perante um ato privativo da liberdade para efeitos do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). No entanto, o TEDH concluiu em sentido contrário. Sem se deixar impressionar pelas medidas de alívio ambulatório consentidas, o Tribunal entendeu que a imobilização de movimentos caracterizava a ablação da liberdade por cingir a pessoa a um espaço escolhido e imposto por uma autoridade externa, não deixando de fazer ver que “em certos aspetos o tratamento que é objeto da queixa assemelha-se ao de uma «prisão aberta» ou a reclusão a uma unidade disciplinar”.

Também no caso sub iuidicio não haverá dúvidas de que as condições de ingerência na liberdade ambulatória impostas pela norma sindicada, bastante mais severas do que aquelas de que beneficiou Guzzardi (ainda que por período temporal muito mais breve), caracterizam uma forma de privação do direito a liberdade pela mesma ordem de motivos, valendo a pena assinalar também a sua evidente similitude com as medidas penais e processuais-penais de reclusão domiciliária (obrigação de permanência na habitação – cfr. artigo 43.º do CP e artigo 201.º do CPP).

De resto, o que se apresenta – no caso Guzzardi, como no caso do confinamento em contexto pandémico – para procurar afastar a qualificativa de «privação da liberdade», respeita mais propriamente a efeitos restritivos noutros direitos fundamentais que decorrem da reclusão prisional e da detenção policial do que ao impacto que estas produzem sobre a liberdade ambulatória.

A pena de prisão e a prisão preventiva, sejam exemplos, por importarem um controlo pelas autoridades quase total do dia-a-dia da pessoa atingida pela medida, acarretam, para além da privação da liberdade ambulatória, ingerências em muitos outros direitos relacionados com o estatuto de liberdades da pessoa humana, já que bloqueiam também a generalidade de contactos sociais, bem como restringem o direito ao exercício de profissão, o direito à liberdade de criação artística, o direito a constituir família e a participar na vida dos filhos e muitas outras formas de afirmação da personalidade em meio livre consensualmente acobertadas pelo estatuto constitucional dos direitos, liberdades e garantias (cfr. artigos 47.º, n.º 1, 42.º, 36.º e 26.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa).

Sem dúvida que o confinamento em contexto pandémico (e a medida de detenção aplicada a Guzzardi) possuem menor grau de intrusão nesses campos da tutela jurídico-constitucional por não interferirem com esses espaços de autodeterminação (ou interferirem em menor grau), mas, no que tange a imobilidade física da pessoa, não se divisam diferenças substanciais que permitissem distinguir a reclusão por isolamento domiciliário, de um lado e, de outro, a prisão, a detenção policial ou a obrigação de permanência em habitação enquanto medida jurídico-penal.

A doutrina vem assinalando que as medidas legislativas durante o período de pandemia constituíram intrusões nos direitos fundamentais de alcance muito expressivo e, sem prejuízo de reconhecerem também a importância e urgência da resposta oferecida pelos governos perante o fenómeno, vem-se assinalando que não será menos premente preservar as liberdades conferidas pelos estatutos constitucionais em vigência e conferir-lhes adequada eficácia material.

Na Alemanha, Kölling disse tratar-se da “mais massiva invasão coletiva dos direitos fundamentais na história da República Federal” (apud L. COTINO HUESO, La (in)constitucionalidad de las restricciones y suspensión de la libertad de circulación por el confinamiento frente a la covid, Garrido López, C. (coord.) Excepcionalidad y Derecho: el estado de alarma en España, Colección Obras colectivas, 2021, Fundación Manuel Giménez Abad, Zaragoza, p. 21) e, a propósito do seu impacto no espaço de proteção conferido pelo artigo 17.º da Constituição espanhola (liberdade congénere à do artigo 27.º, n.º 1, da Lei Fundamental portuguesa), no país vizinho já se defendeu tratar-se da “restrição mais intensa da liberdade pessoal que, em geral, a grande maioria dos cidadãos que não estejam privados da liberdade em consequências de ações judiciais, sofrem nas suas vidas” (v. L. COTINO HUESO, op. cit., p. 10 – também por confronto com o direito de circulação constante do artigo 19.º da Constituição espanhola), colocando-se também esta fórmula de privação da liberdade nas proximidades de providências jurídico-penais reclusivas (“a situação criada está perto da prisão domiciliária” – G. RALA MINGO, S., Hacia la era de la “nueva anormalidad” jurídica instaurada por la vía del uso de los Reales Decretos y las Órdenes Ministeriales, Diario La Ley, núm. 9649, Sección Tribuna, 9 de Junio de 2020, apud L. COTINO HUESO, op. cit., pp. 10-11).

Outro autor afirmou que “determinar uma espécie de prisão domiciliária da imensa maioria de espanhóis (…) não é limitar o direito, mas sim suspendê-lo” (ARAGÓN REYES, M., Hay que tomarse en serio la ConstituciónEl País, 10 de abril 2020, apud L. COTINO HUESO, op. cit., pp. 10-11), afastando a caracterização das medidas legais de confinamento como restrições na liberdade física que pudessem ser entendidas como dotadas de menor grau de ingerência, face ao arquétipo da privação.

Assim e em face de todo o exposto, concluímos que a norma do artigo 25.º, n.º 1, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 terá de ser qualificada como uma medida privativa da liberdade ambulatória consagrada no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, devendo ser avaliada a sua compaginação para com a Lei Fundamental nesses termos.

11.2. Prosseguindo na análise, já vimos que o artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa impõe que todas as formas de privação da liberdade sejam autorizadas pelo catálogo fechado previsto nessas duas disposições, quer sejam totais ou apenas parciais, impondo-se a aplicabilidade do princípio da tipicidade qualquer que seja o grau de privação que se observe.

Ainda assim, já resulta do que dissemos que o artigo 25.º, n.º 1, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 estabelece uma forma de privação da liberdade total, já que se traduz em reclusão no domicílio, vedando quaisquer formas de deslocação para fora da residência. Em certo sentido, a norma pode entender-se possuir âmbito de intrusão mais intenso na integridade pessoal dos visados que medidas de encarceramento prisional por período idêntico: a quarentena em residência nas condições estabelecidas no dispositivo não garante sequer mínimos de mobilidade dentro do espaço de reclusão (pense-se, por exemplo, nos casos de domicílio pessoal em quartos arrendados, em pensões ou hospedarias, que poderão nem consentir espaços para exercício físico, de circulação no interior do edifício ou de exposição a ar livre), sendo que a permeabilidade da norma a que sejam indicados outros locais para efeitos de confinamento por mero arbítrio de entidade administrativa (“autoridades de saúde”) agrava sensivelmente a situação de dano potencial no direito.

Assim, o estatuto legal de confinamento previsto no artigo 25.º, n.º 1, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 terá de se entender uma medida legislativa de maior potencial de ingerência no raio de proteção conferido pelo direito à liberdade que as situações de prisão preventiva ou de reclusão penitenciária por idêntico hiato temporal, já que estas impõem ao Estado o encargo de salvaguardar condições de desconstrangimento circulatório mínimo, incluindo as associadas a imperativos de saúde (cfr., v. g., artigos 18.º, 34.º a 36.º, 41.º, 59.º, 95.º, 96.º, todos do Decreto-Lei n.º 51/2011 de 11.04), o que a norma sindicada não prevê nem garante.

Aqui chegados, cabe notar que a reclusão domiciliária cominada no artigo 25.º, n.º 1, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 não obtém conforto constitucional no elenco típico de autorização a privações liberdade recenseado no artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa a que nos temos vindo a referir, o que só por si reclama pelo juízo de inconstitucionalidade material da disposição (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República). Em tese, apenas o disposto no artigo 27.º, n.º 3, alínea h), da Constituição da República Portuguesa poderia autorizar uma previsão legal como a sindicada, mas, como agora veremos, ainda que a disposição surja correlacionada com imperativos de saúde pública, a norma não se pode entender abarcada pela autorização aí estabelecida.

Em primeiro lugar, a previsão constitucional cinge-se ao internamento em estabelecimento terapêutico, não em residência ou noutros locais indeterminados, como se observa na norma fiscalizada. A arbitrariedade na escolha do local de reclusão e o facto de, em primeira linha, a norma se orientar para a reclusão domiciliária, desde logo afasta a previsão do dispositivo constitucional.

Em segundo lugar, o artigo 27.º, n.º 3, alínea h), da Constituição da República Portuguesa faz depender a ingerência da condição de anomalia psíquica do visado, estabelecendo uma conexão direta entre a privação da liberdade e uma situação de doença conformadora de perigo concreto, para o próprio, para terceiros ou para a segurança pública. A norma previsiva do artigo 25.º, n.º 1 do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 não tem qualquer conexão com situações de anomalia psíquica e possui um espectro de abrangência muito mais volúvel no que tange indicadores de perigo. A norma adota um sistema normativo de operatividade automática, dispensando a sinalização de um foco de risco concreto relativo à condição clínica da pessoa afetada ou de qualquer facto-índice que se pudesse dizer peculiar a uma situação assim caracterizável, antes se bastando com a abstração referente ao território de proveniência do voo do sujeito visado pela medida legal, escolhido por ato de membros do governo sem qualquer forma de vinculação a critérios jurídicos (n.º 4).

Somos, portanto, conduzidos à conclusão de que estamos perante uma privação do direito à liberdade que o elenco fechado constante do artigo 27.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República não autoriza, impondo o juízo de inconstitucionalidade da norma sindicada.

11.3. Cabe agora referir que alguma doutrina admite que, mesmo no atual panorama constitucional, se operacionalizem por via legislativa formas de privação da liberdade de portadores de doenças infectocontagiosas, assim fora do quadro típico de autorizações estabelecido no artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa (ao menos na dimensão literal) e em condições de alguma forma semelhantes ao contexto pandémico que subjaz ao preceito fiscalizado.

Conjeturando situações-limite de difusão de agentes patogénicos por um portador humano e o impacto potencial que se pode colocar na dimensão individual e coletiva, pode entender-se resultar daqui a sinalização de expressivas necessidades de tutela de bens jurídicos que também gozam de proteção constitucional, sejam exemplos a vida, a integridade física e, de forma difusa, mas também relevante, as garantias de saúde pública, com o inerente efeito reflexo em direitos pessoais (neste sentido, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 484). Este entendimento sai reforçado quando a defesa da saúde conforma um dever constitucional universalmente vinculativo, em contraface, com todos os demais, do catálogo de direitos, liberdades e garantias de que gozam os cidadãos da República (cfr. artigos 12.º, n.º 1 e 64.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa).

Neste seguimento, já se propôs que a privação da liberdade de uma pessoa que represente perigo para a comunidade jurídica por via de doença infetocontagiosa de que seja portadora poderia entender-se consentida pelo elenco típico do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa por via de interpretação extensiva da supra referida alínea h) do n.º 3 do preceito (institucionalização de portadores de anomalia psíquica), distendendo-se dos doentes psiquiátricos referidos na norma aos portadores de agentes patogénicos que sinalizem indicadores de perigo público de alcance idêntico (neste sentido, v. A. DIAS PEREIRA, Sida, Toxicodependência e Esquizofrenia: Estudo Jurídico sobre o Internamento Compulsivo, Lex Medicinae, ano 7, n.º 14, pp. 63-79, apud A. P. GUIMARÃES e FERNANDA REBELO, Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e do Protocolo Adicional, Coord. P. Pinto de Albuquerque, Vol. I, Lisboa, 2019, p. 829).

Uma outra posição, que parece ter origem jurisprudencial, propôs que o internamento ou confinamento nessas condições fosse entendido como “medida de segurança” de natureza não-sancionatória (ou seja, não-relacionada com uma prática tipificada como crime, mas assente também em juízo de perigosidade específico e relativo ao agente) e que, como tal, haver-se-ia por autorizada ao abrigo do n.º 2 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, assim em contexto jurisdicional (v. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 21.12.2005 no Proc. 0514697 e de 06.02.2002 no Proc. 0110232 e A. P. GUIMARÃES e FERNANDA REBELO, op. cit., pp. 830-831).

Uma terceira possibilidade de entender legitimada a privação da liberdade nas condições em referência seria recorrer à teoria dos limites imanentes de ponderação, que poderia, em abstrato, admitir a privação da liberdade nos casos de confinamento por tributo ao âmbito de eficácia e relevo constitucional dos bens jurídicos colocados em causa pelos portadores de doença infetocontagiosa (sobre os limites imanentes na Constituição Portuguesa, v. J. J. GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 1279-1283; em especial no âmbito do confinamento durante o período COVID19 e parecendo defender este entendimento, v. J. DE MELO ALEXANDRINO, ibid).

No entanto, mesmo se adotássemos uma destas correntes de leitura mais permissiva do texto constitucional, em qualquer caso se imporia uma ponderação de interesses (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) particularmente rigorosa, já que haveria que levar em conta a proeminência do direito à liberdade e o estatuto de tutela maximizado de que beneficia ao abrigo da Lei Fundamental (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ibid.). Apenas assim será possível compatibilizar a construção jurídica com o elenco fechado de exceções consagrado nos artigos 27.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, já que de outra forma se estará apenas a contornar por via de uma leitura abrogante da Lei Fundamental o que constitui uma solução do legislador constitucional plena de intencionalidade, o que se não autoriza ao intérprete.

Ora, parece já resultar do que dissemos que esse peculiar equilíbrio de modo nenhum se pode entender observado na norma sob sindicância e a medida legal parece mesmo de difícil compatibilidade para com o regime geral de eficácia dos direitos, liberdades e garantias.

De facto, o artigo 25.º, n.º 1, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04 não exige que o sujeito a recluir seja portador do vírus SARS-Cov2, que sofra de infeção, que esteja em período de contágio ou que, por qualquer outra forma, o perigo inerente à disseminação do vírus e da doença estivesse sinalizado pela situação particular da pessoa afetada pela privação da liberdade. A norma basta-se com a simples inclusão do território de proveniência do seu voo em despacho conjunto de membros do governo proferido nos termos do n.º 4 do preceito para sujeitar o indivíduo a reclusão, nada mais. A solução legislativa, está bom de ver, não garante sequer a existência de uma correlação segura e direta, sequer indiciária, entre a situação pandémica (e os riscos de segurança que dela derivam) e a pessoa sujeita a confinamento obrigatório, antes resultando francamente arbitrária.

Assim e mesmo que se pretendesse acolher uma leitura mais flexível do texto constitucional, a norma sob fiscalização nunca se poderia entender autorizada pelo regime geral dos direitos, liberdades e garantias (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Por outro lado, como já anotámos aquando da análise das formas de privação do direito à liberdade constitucionalmente comportadas (n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa), a determinação de qualquer medida nesse âmbito está sujeita a reserva jurisdicional por via de regra, impondo-se que seja decretada por órgão judicial, ou, quando tenha lugar no âmbito da atividade administrativa, que seja ao menos sujeita a controlo jurisdicional subsequente (v. neste sentido, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 480). Esta é uma garantia mínima contra abusos num domínio particularmente sensível e intenso da tutela constitucional e não é admissível solução legal que permitisse que a privação operasse apenas por ato administrativo desprovido de controlo judicial necessário e temporalmente conexo com ela.

Sendo assim, mesmo que buscássemos autorização constitucional para a privação da liberdade de portadores de doenças infetocontagiosas (fosse o caso da COVID) tomando mão do disposto no artigo 27.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (por assimilação à noção de “medida de segurança” aí referida), mediante interpretação extensiva da alínea h), do n.º 3, do mesmo articulado, ou com recurso a uma construção assente nos limites imanentes do direito, em qualquer um dos casos veríamos a intervenção de órgão jurisdicional como obrigatória, ferindo de inconstitucionalidade material a iniciativa legislativa que violasse o princípio de reserva de juiz.

     A título de exemplos infraconstitucionais de aplicação deste mesmo princípio, veja-se que, no caso de internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica que representem perigo para a ordem pública, se impõe a comunicação imediata a juiz, para avaliação da manutenção ou revogação da providência privativa da liberdade (cfr. artigos 25.º, n.º 1 e 26.º, ambos da Lei n.º 36/98 de 24.07). Talvez mais ilustrativo, mesmo em estado de emergência (artigo 19.º da Constituição da República Portuguesa), o artigo 2.º, al. a) da Lei n.º 44/86 de 30.09 impõe que as privações da liberdade (detenção ou fixação de residência) sejam comunicadas a juiz de instrução no prazo máximo de 24 horas. Para além de se garantir também ao particular o recurso a habeas corpus como remédio jurídico contra abusos, daqui resulta que a situação de imobilidade do indivíduo afetado pela medida cessará quando, através da intervenção jurisdicional, o magistrado conclua ex officio que a privação da liberdade foi efetuada fora das condicionantes legais do respetivo estatuto.

     Nos antípodas, o artigo 25.º, n.º 1, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04, sem o benefício da cobertura proporcionada por estado de exceção e em absoluta oposição ao comando constitucional, admite que o confinamento seja determinado por mera decisão das autoridades de saúde, sem assegurar o controlo judicial da situação de reclusão subsequente e temporalmente conexo com a aplicação da medida e sem sequer prever especificamente a sua admissibilidade.

A violação do espaço de reserva jurisdicional às medidas privativas da liberdade imposto pelo artigo 27.º, n.ºs 1 a 3, da Constituição da República Portuguesa, está bom de ver, reclama também de forma perentória pela inconstitucionalidade material da disposição sob sindicância.

  1. Direito à Liberdade e Inconstitucionalidade Orgânica (e formal)

     O artigo 165.º, n.º 1, da Constituição da República estabelece um elenco de matérias sujeitas a reserva relativa da Assembleia da República, onde se inclui, em alínea b), a disciplina referente a direitos, liberdades e garantias (artigos 24.º a 57.º da Constituição da República Portuguesa, Título II) e em que se conta, por sua vez, o direito à liberdade (artigo 27.º do mesmo diploma).

Significa isto que, com ressalva dos casos de autorização parlamentar ao governo (artigos 161.º, alínea d) e 166.º, n.º 3, ambos da Constituição da República), apenas a Assembleia da República pode definir quadros legais que importem restrições ao direito à liberdade ou condicionantes ao seu exercício, resultando ferido de inconstitucionalidade orgânica o diploma que abrogue esta regra essencial de repartição da competência legislativa entre órgãos constitucionais.

Como vimos acima, o artigo 25.º, n.ºs 1 e 4, do RARes.CM n.º 45-C/2021 de 30.04, ao estabelecer um regime obrigatório de reclusão em habitação (confinamento), constitui uma ingerência muito importante no espectro de tutela do direito à liberdade, o que impõe a conclusão que o governo, através de uma resolução do conselho de ministros e fora do seu âmbito de competência legislativa próprio (artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa), produziu um diploma em matéria reservada à Assembleia da República, rompendo com o estatuto constitucional neste âmbito, tal como se entendeu na decisão recorrida.

Esta questão foi já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional em várias ocasiões, tendo-se concluído reiteradamente por vício de inconstitucionalidade orgânica de normas introduzidas no ordenamento por Resolução do Conselho de Ministros que estabeleceram obrigações de confinamento congéneres à da norma sob sindicância (v. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 424/2020, 687/2020, 729/2020, 769/2020 e 173/2021, 88/2022, 89/2022 e 90/2022).

O Tribunal Constitucional, reunido em plenário no âmbito de processo de fiscalização concreta tendo por objeto o n.º 1, alínea b), e n.º 2, do artigo 3.º, da Resolução de Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, também estatutivo de uma obrigação de isolamento no contexto da pandemia COVID, repetiu o juízo de inconstitucionalidade orgânica em consonância com o exposto, mas sinalizou ainda vício de natureza formal, por o ato que suporta a norma não revestir a forma de Lei ou de Decreto-Lei autorizado, de que também dependeria a respetiva conformidade constitucional (cfr. artigos 165.º, n.º 1, alínea b) e 161.º, alínea c) e artigos 198.º, n.º 1, alínea b), 161.º, n.º 1, alínea d) e 165.º, n.º 1, alínea b), todos da Constituição da República Portuguesa).

Ajuizando que a norma conforma ingerência no estatuto de direitos, liberdade e garantias (ainda que não tomando posição expressa sobre se estaria em causa o artigo 27.º, n.º 1, ou o artigo 44.º, n.º 1, ambos da Constituição da República, o que para estes efeitos não releva), aí se fez ver:

nenhuma das disposições legais invocadas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 pode, atento o seu concreto teor, ser tida como fonte primária da intervenção restritiva em direitos, liberdades e garantias que (…) – as medidas de confinamento na habitação, de caráter profilático, decretado por decisão administrativa, sem controlo ou validação judicial, indiscutivelmente configuram.

Assim, e ainda que se admitisse – como parece indiciar a referência à alínea g) do artigo 199.º da CRP, na Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 – que esta resolução configura uma atuação de natureza administrativa do Governo, com vista à satisfação, em situação de urgência pandémica, das necessidades coletivas, nos termos da Constituição, apenas efetivando, por isso, uma restrição aos direitos fundamentais já contida na lei (na Lei de Bases da Proteção Civil e/ou na Lei que cria o Sistema de Vigilância em Saúde Pública), a verdade é que, como se demonstrou nos acórdãos acima transcritos, nenhuma das disposições normativas daqueles diplomas pode ser qualificada como fonte concreta de uma restrição a direitos, liberdades e garantias com o recorte preciso dos confinamentos obrigatórios que aqui estão em causa. Deste modo, é indiscutível que a restrição é operada, em primeiro lugar, pelas normas ora questionadas, já que são elas que definem o universo de afetados pela restrição, atribuem competência às autoridades para a decretar, elencam os locais onde pode ser cumprido o confinamento e determinam a vigilância pelas forças e serviços de segurança. Naturalmente, se se partir de uma qualificação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 como ato normativo do Governo no exercício de funções administrativas, tanto bastará para determinar a inconstitucionalidade do disposto no n.º 1, alínea b), e n.º 2 do artigo 3.º da Resolução de Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, por violação não apenas da reserva de competência parlamentar determinada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, mas também do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, que consagra uma reserva de lei restritiva, em matéria de direitos, liberdades e garantias.

  1. Idêntico julgamento de inconstitucionalidade caberia, contudo, se se entendesse que, apesar da menção da alínea g) do artigo 199.º da CRP pela Resolução do Conselho de Ministros em apreciação, esta configura uma atuação do Governo no exercício da função legislativa, posto que inexiste lei de autorização, nos termos do mencionado artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

Além disso, sempre se dirá, que, mesmo tendo em consideração – e este Tribunal não poderia deixar de o fazer – as dificuldades levantadas pela situação de pandemia, a verdade é que um instrumento com a natureza e as caraterísticas da resolução do conselho de ministros se apresenta como manifestamente desadequado para assegurar o cumprimento das exigências constitucionais atinentes às restrições de direitos fundamentais. Com efeito, o que de mais relevante a CRP dispõe, nesta matéria, e que deve presidir a uma análise sistemicamente adequada da problemática em questão, é que o legislador constituinte erigiu como pedra-de-toque da democracia constitucional o funcionamento do sistema de freios e contrapesos instituído pela Lei Fundamental, que procura assegurar um exercício equilibrado dos poderes estaduais. Isso mesmo se nota, desde logo, na previsão constante do n.º 7 do artigo 19.º, nos termos da qual, em situação de estado de emergência, não fica posta em causa “a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e de governo próprio das regiões autónomas ou os direitos e imunidades dos respetivos titulares”. Ou seja, mesmo no contexto de crise grave que necessariamente fundamentará o decretamento do estado de emergência, a Constituição não prescinde da intervenção e atuação de todos os órgãos de soberania, com vista à defesa do Estado de direito, e à garantia de reposição, assim que possível, de um estado de normalidade constitucional. Ora, se assim é no excecionalíssimo quadro do estado de emergência, afigura-se incontornável que o mesmo suceda fora da sua vigência, e ainda que se esteja em situação declarada de calamidade, como acontece no caso em apreço. Por isso, e desde logo, há que assinalar que o recurso à resolução do conselho de ministros permite contornar, evitando-os, todos os mecanismos de checks and balances que a Constituição instituiu no plano do controlo da atividade do legislador, em especial em matéria de direitos fundamentais.

Desde logo, note-se que a resolução do conselho de ministros não está sujeita a promulgação pelo Presidente da República, à luz do disposto no artigo 136.º da CRP. De facto, enquanto que as leis (n.º 1 do artigo 136.º da CRP) e os decretos-leis (n.º 4 do artigo 136.º da CRP) – ou seja, os atos legislativos emanados dos órgãos de soberania, nos termos do artigo 112.º, n.º 1, da Constituição, – devem ser promulgados pelo Chefe de Estado, estando, por isso, sujeitos a um exame jurídico e político, por parte deste, prévio à sua entrada em vigor, o mesmo não acontece com as resoluções do conselho de ministros, que são simplesmente aprovadas nessa sede e seguidamente publicadas no Diário da República. Por outro lado, é também importante notar que as resoluções do conselho de ministros escapam aos instrumentos de controlo que a CRP atribui ao Parlamento, no que se refere aos atos legislativos da competência do Governo, em particular o previsto na alínea c) do artigo 162.º da Constituição.

(acórdão do Tribunal Constitucional no Proc. n.º 824/2021)

Cabe concluir que a norma sob sindicância está também ferida de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do espaço material sujeito a reserva legislativa da Assembleia da República e por o diploma estar desprovido da forma imposta pela Lei Fundamental.

*

III. Decisão

  1. Nestes termos ecom estes fundamentos, decide-se julgar o recurso improcedente, e, em consequência:
  2. a) Julgar inconstitucional a norma do artigo º, n.ºs 1 e 4, do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30.04, na redação conferida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 13.05, por violação do disposto no artigo 27.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa;
  1. b) Julgar inconstitucional a norma do artigo º, n.ºs 1 e 4, do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30.04, na redação conferida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 13.05, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), com referência ao artigo 27.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
  2. Sem custas, por não existir incidência aplicável (artigo 84.º, n.º 1 e n.º 2,a contrario, da Lei n.º 28/82 de 18.01).

Lisboa, 24 de junho de 2022 – António José da Ascensão Ramos

O Relator atesta o voto de conformidade dos Senhores Conselheiros José Eduardo Figueiredo DiasAssunção Raimundo e Mariana Rodrigues Canotilho (que apresenta declaração).

Mais atesta o voto do Senhor Vice-Presidente, Conselheiro Pedro Machete, vencido quanto à alínea a) e de conformidade quanto à alínea b) do dispositivo.

Todos os Senhores Conselheiros intervieram por meios telemáticos.

António José da Ascensão Ramos

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencido quanto à alínea a) do dispositivo (inconstitucionalidade material).

Na sua abordagem ao artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa – direito à liberdade pessoal –, a presente decisão afasta-se, sem fundamentos convincentes, da metodologia e da dogmática seguidas pela jurisprudência do Tribunal Constitucional português e, bem assim, pela jurisprudência de outros tribunais constitucionais e do próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), num exercício subjetivo que culmina em resultados imprevisíveis e/ou pouco adequados aos interesses e bens constitucionais concretamente em causa.

  1. Apesar de não caracterizar mais detidamente do que o mencionado no n.º 7 a norma recusada aplicar pelo tribunal recorrido, entendeu-se nesta decisão estar em causa com referência ao artigo 25.º, n.º 1, do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, na redação dada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, uma «forma de privação da liberdadetotal, já que se traduz em reclusão no domicílio, vedando quaisquer formas de deslocação para fora da residência» com «maior potencial de ingerência no raio de proteção conferido pelo direito à liberdade que as situações de prisão preventiva ou de reclusão penitenciária por idêntico hiato temporal» [n.º 11.2]. Deste modo, ignorou-se o contexto pandémico em que a norma em causa se destinou a operar e a estratégia de combate à pandemia em que a mesma se inscreveu, os mecanismos predispostos à sua aplicação efetiva (por exemplo, a cominação de desobediência) e os termos de densificação enquanto norma do caso (por exemplo, relevância de eventuais exceções ou reforço dos mecanismos de coerção, por via de uma vigilância ativa ou individualizada), porventura causadores da lesão de outros direitos fundamentais, como a liberdade geral de ação ou o direito geral de personalidade, ambos corolários do direito ao desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º da CRP).

Dos termos literais dos preceitos que servem de base à interpretação normativa julgada materialmente inconstitucional nos presentes autos, nada permite concluir, com segurança, estar em causa, conforme referido, uma “forma de privação de liberdade total” (aliás, nem tão-pouco «a imposição de confinamento obrigatório ao visado por ter viajado para território português em voo com origem na República federativa do Brasil» [n.º 7]). Independentemente do modo como se conceba dogmaticamente a privação da liberdade pessoal por contraposição à sua simples restrição, afigura-se necessário – sobretudo em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade – traçar um quadro completo do sentido e alcance da norma aplicada ao caso concreto. Na verdade, os bens jurídicos fundamentais em causa e as lesões imediatas ou mediatas dos mesmos a partir de bases normativas muito amplas são múltiplos e muito variáveis.

E esse tem sido tem sido o caminho seguido na jurisprudência constitucional alemã e italiana, na jurisprudência do TEDH e, bem assim, na jurisprudência do TC português. Com efeito, afirma-se no Acórdão n.º 424/2020 [n.º 2.2.3] deste último:

“O Tribunal, para aferir de uma eventual privação ou restrição, deve atentar, particularmente, na intensidade da afetação da liberdade resultante da aplicação das normas cuja aplicação foi recusada.

Importa, para o efeito, recordar o contexto factual fixado na decisão recorrida – não na medida em que o recurso tenha por objeto os factos (trata-se, como é sabido, de um recurso normativo), mas na medida em que estes revelam a potencialidade abstrata de restrição resultante da execução das normas aplicadas. Na verdade, tendo as normas sido executadas – sem desvio aparente face à respetiva estatuição – nos termos descritos na decisão recorrida, os correspondentes factos constituem um exemplo concreto do seu alcance abstrato. Podem, pois, e devem, neste preciso sentido e contexto, ser olhados tais factos enquanto acontecimentos reveladores da intensidade da afetação visada ou consentida pelas normas.”

  Não foi esse o método seguido na presente decisão, revelando-se a mesma, por isso, em vários passos, como não fundamentada. É esse o caso, nomeadamente, em relação ao juízo comparativo com o «encarceramento prisional», a «prisão preventiva» ou a «reclusão penitenciária» (cfr. o n.º 11.2, citado).

  1. Uma segunda razão de discordância – agora no plano dos princípios – diz respeito à construção dogmática do direito fundamental consagrado no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa – o direito à liberdade pessoal.

Sem prejuízo de na aparência o direito à liberdade ser tomado como um todo (cfr. o n.º 9.1), a verdade é que, a propósito das limitações ao mesmo, a presente decisão se afasta decisivamente dos termos em que, nessa perspetiva de unidade, aquelas têm vindo a ser equacionadas um pouco por todo o lado, criando problemas dificilmente superáveis.

2.1. Com efeito, a distinção entre medidas privativas da liberdade e medidas (apenas) restritivas da liberdade é traçada em termos abstratos e categoriais: «estaremos perante uma mera restrição quando a medida se limite a proibir o acesso de um sujeito a um espaço ou quando proíba a sua permanência nele, impondo-lhe que se retire de determinado locus. Nestes casos, a ingerência no direito não precisa de encontrar respaldo constitucional no elenco do artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República, cingindo-se a sua compaginação constitucional ao regime geral dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º do mesmo diploma). Já não assim quando se esteja perante a supressão da liberdade de movimentos de uma pessoa em todas as direções, confinando-a a um espaço fisicamente delimitado: nestes casos, a medida terá de encontrar fundamento no elenco de autorizações à privação da liberdade previsto nos citados preceitos da Lei Fundamental, já que será subsumível a essa noção» [n.º 9.2]. A posição de distinguir as duas situações com base na avaliação de outros aspetos, tais como a intensidade ou a duração da afetação, como sucede na dogmática alemã, é expressamente rejeitada: «[e]sta posição, porém, não é transponível para a ordem jurídica nacional, já que a Constituição Portuguesa, ao contrário da alemã, sujeita expressamente ao regime especial dos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º, tanto a privação da liberdade total como a meramente parcial, não permitindo que se afira da classificação da ingerência em função do grau por que opera a privação» (v. ibidem). Daí a conclusão:

“Nesse pressuposto e em suma, o conceito de privação da liberdade será aferido em função do modo como a medida opera o efeito restritivo no sujeito: se for dado local que se determina proibido à pessoa (impedindo o sujeito de para ele se deslocar ou de nele permanecer), então estaremos perante uma medida meramente restritiva da liberdade; se for o sujeito que se diz proibido de realizar ações ambulatórias, então a medida entender-se-á privativa, ainda que essa privação seja meramente parcial, como será o caso quando confira alguma latitude de alívio ao comando proibitivo (v. g., reclusão a um acampamento, a um quarteirão, a um bairro, a um complexo habitacional, etc.) ou seja temporalmente condicionada (v. g., algumas horas ou menos de uma semana)” (v. ibidemin fine).

Mas a insuficiência deste critério acaba por ser reconhecida na própria decisão, a propósito do exemplo das cercas sanitárias: «[n]essas situações, está-se perante atos normativos restritivos do direito de deslocação, já que não se colocou em causa a imobilização da pessoa humana ou a sua reclusão a um espaço físico, antes se impôs uma proibição de trânsito entre áreas administrativas, espartilhando o território nacional por via de atos normativos» [cfr. o n.º 11.1]. Porém, «dependendo da forma como forem definidas, também estas medidas podem conflituar com o direito à liberdade na dimensão restritiva ou mesmo privativa do direito» [v. ibidem].

Na verdade, tudo depende de se olhar para a situação de quem se encontra dentro da cerca sanitária ou fora dela… Já não releva a natureza da medida em si mesma – e, para efeitos de controlo da constitucionalidade, da norma que a estatui ou autoriza –, mas a situação concreta da pessoa por ela atingida em função exclusiva da respetiva localização espacial (e não já da gravidade da afetação da sua liberdade de locomoção).

2.2. Como referido, a discussão sobre as limitações à liberdade pessoal enquanto liberdade física de movimentos (tatsächliche körperliche Bewegungsfreiheit) perante ingerências do Estado (cfr. os Acórdãos do Bundesverfassungsgericht (BVerfG) de 24.7.2018 – 2 BvR 309/15 e 502/16 [Fixierungen] – Rn. 65 e de 1.12.2020 –2 BvR 916/11 e 636/12 [Elektronische Aufenthaltsüberwachung] – Rn. 222) não se tem feito – até em termos histórico-jurídicos – em função de categorias abstratas e rígidas, mas antes da justificação do tipo de garantias exigidas em Estado de direito para salvaguarda da autodeterminação daquele que vê limitada tal liberdade em termos compatíveis com a sua dignidade.

A jurisprudência constitucional portuguesa tem acolhido, desde o Acórdão n.º 479/94 [n.º 6], a conceptualização do direito à liberdade pessoal corrente na dogmática alemã:

“Segundo Maunz-Dürig, a privação da liberdade (Freiheitsentziehung) existe quando alguém contra a sua vontade é confinado, coactivamente, através do poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída. Local delimitado (eng umgrenzter Ort) pode ser o espaço de um edifício ou um acampamento. Haverá ainda privação da liberdade quando a pessoa detida puder deixar o estabelecimento prisional para trabalhar sob vigilância das autoridades prisionais.

A mera limitação de liberdade (Freiheitsbeschränkung) existe quando alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e facticamente acessível ou de permanecer num certo espaço. A liberdade de movimentação não é, assim, em contraposição à privação da liberdade, subtraída, mas apenas limitada numa certa direcção (cfr. Grundgesetz, Kommentar, § 104, 6 e 12).

A privação da liberdade traduz-se numa perturbação do âmago do direito à liberdade física, à liberdade de alguém se movimentar e circular sem estar confinado a um determinado local, sendo a essência do direito atingida por um determinado tempo (que pode ser, aliás, de duração muito reduzida).

A limitação ou restrição da liberdade (que não implique a sua privação) concretiza-se através de uma perturbação periférica daquele direito mantendo-se no entanto a possibilidade de exercício das faculdades fundamentais que o integram”.

E, no Ac. 424/2020 [n.º 2.2.2], acrescenta-se:

“Se é certo que os âmbitos dogmáticos de privação e de restrição e, acima de tudo, a delimitação da sua fronteira in concreto não são unívocos (cfr., designadamente, as declarações de voto apostas ao Acórdão n.º 479/94), o certo é que o Tribunal tem regressado a esta jurisprudência (cfr., designadamente, os Acórdãos n.os 185/96, 83/2001, 471/2001, 204/2015, 220/2015, 228/2015 e 463/2016) e o Tribunal Constitucional Federal Alemão também não abandonou, no essencial, os traços gerais da apontada distinção [cfr., recentemente, o acórdão de 24/07/2018 (2 BvR 309/15 e 2 BvR 502/16), §67, bem como as citações ali indicadas: “2. a) O âmbito de proteção do artigo 2.º, n.º 2-2, da Lei Fundamental abrange tanto as medidas restritivas da liberdade (freiheitsbeschränkende Maßnahme) como as medidas privativas da liberdade (freiheitsentziehende Maßnahme); o Tribunal Constitucional distingue estas categorias de medidas com base na intensidade da interferência [na liberdade]. Um ato constituirá uma restrição da liberdade se alguém for impedido por autoridade pública, contra a sua vontade, de se deslocar para um lugar ou de permanecer num lugar que, de outro modo seria – no plano de facto e no plano jurídico – de acesso livre para si. Um ato constituirá uma privação da liberdade, o modo mais severo de restrição da liberdade, se suprimir a liberdade de movimento – que exista, em termos gerais, nas concretas circunstâncias de facto e de direito – nas suas diversas vertentes.

A privação da liberdade caracteriza-se pela particular intensidade da interferência, e ainda pela sua duração, que não deve ser meramente de curto prazo” – v., ainda, o acórdão de 15/05/2002 (2 BvR 2292/00), §§ 24 e 25, ambos disponíveis em www.bundesverfassungsgericht.de/]”.

Esta perspetiva pressupõe a unidade do direito à liberdade pessoal e a identidade do bem jurídico tutelado – a liberdade física ou de movimentos ou liberdade de locomoção –, assim como a consideração da privação da liberdade como um caso especial – e mais grave – de restrição a tal direito fundamental. Daí, também, a necessidade de uma garantia reforçada, isso é, que vá além da garantia prevista para a mera limitação da liberdade.

2.2.1. Recorde-se que segundo a Grundgesetz, Art. 2, 2.ª e 3.ª frases do parágr. 2, a «liberdade da pessoa é inviolável. As ingerências nestes direitos [- além da liberdade pessoal, o direito à vida e o direito à integridade física –] só são admissíveis com fundamento numa lei». O Art. 104 da mesma Lei Fundamental apresenta uma conexão sistemática com a previsão do Art. 2, 2.ª frase, já que ambos se referem à liberdade pessoal. A 3.ª frase do Art. 2, parágr. 2, indica as condições materiais de limitação do direito fundamental e o Art. 104, 1.ª frase do parágr. 1, repete esse regime reforçando-o ao nível da sua formulação («A liberdade da pessoa só pode ser limitada com fundamento numa lei formal e com respeito pelas formas nela previstas»). Os dois parágrs. subsequentes deste preceito completam as citadas condições materiais, acrescentando-lhes, no que se refere à admissibilidade e continuidade de medidas privativas da liberdade, uma condição formal: a reserva de juiz, para efeitos de autorizar a medida desse tipo ou de validar a sua manutenção. Devido aos diferentes pressupostos de admissibilidade de medidas limitadoras da liberdade pessoal (Freiheitsbeschränkungen) e de medidas privativas da liberdade (Freiheitsentziehungen), entende-se que os dois tipos de medidas em causa não podem ser idênticos; diferentemente, verifica-se uma gradação em função da intensidade da ingerência no direito fundamental à liberdade pessoal. Assim, as privações da liberdade constituem um modo especialmente intenso de limitação da liberdade pessoal, representando, portanto, casos especiais de tal limitação (para mais desenvolvimentos, v. PETER HUBER e ANDREAS VOSSKUHLE (Hrsg), Grundgestz-Kommentar, begr. v. Hermann Mangoldt, Band 3, 7. Aufl. 2018, Artikel 104 [Chr. GUSY], Rn. 12, 17 e 18).

Este entendimento foi reafirmado, a propósito das “restrições de saída” (Ausgangsbeschränkungen) impostas a nível federal devido à Covid-19, no Acórdão do BVerfG de 19.11.2021 – 1 BvR 781/21 e outros [Bundesnotbremse I] – Rn. 240 e ss., salientando-se: i) uma vez que o âmbito de proteção da liberdade de locomoção física se circunscreve à possibilidade de uma pessoa se movimentar voluntariamente a partir ou em direção a espaços de acesso livre nos planos fáctico e jurídico, tal liberdade só é limitada quando a pessoa, contra a sua vontade, seja impedida, por ato dos poderes públicos – geral e abstrato ou individual –, de procurar um local ou espaço a que de outro modo poderia aceder fáctica e juridicamente, de nele permanecer ou de o abandonar  (Rn. 243); ii) existe impedimento limitador da liberdade de movimentos nos casos de coação imediata, ou seja, quando é exercida a força física (körperlich wirkenden Zwang) e, bem assim, naqueles casos em que as medidas de autoridade, segundo a sua natureza e intensidade, exerçam sobre a vontade do destinatário de se locomover um efeito comparável ao da coação imediata (allein psyschisch vermittelten Zwang; por exemplo, a cominação de sanções criminais; v. Rn. 244 e ss. e, em especial, o Rn. 246). Contudo, saber se o impedimento em causa, seja de natureza física ou de natureza psíquica ou moral, além de restritivo ou limitador, se deve considerar como privativo da liberdade de locomoção, é uma questão que depende da intensidade da limitação, apreciada em função das circunstâncias concretas (v. Rn. 250).

2.2.2. Na doutrina portuguesa, pode ver-se o exemplo de uma abordagem similar, ainda que adaptada aos termos literais da Constituição da República Portuguesa, em REIS NOVAIS, “Direitos Fundamentais e inconstitucionalidade em situação de crise – a propósito da epidemia COVID-19” in E-Pública, vol. 7, n.º 1, abril de 2020, p. 78 e ss., em especial, pp. 101-108 (acessível online a partir da hiperligação https://e-publica.pt/article/34308-direitos-fundamentais-e-inconstitucionalidade-em-situacao-de-crise-a-proposito-da-epidemia-covid-19):

“O direito à liberdade física ou à liberdade pessoal, considerado como um todo, é limitável, como qualquer outro direito. Portanto, quando se considera o específico direito consagrado no artigo 27.º, n.º 1, é também assim. A liberdade de ir e vir, a liberdade física ambulatória, a liberdade de locomoção, podem ser restringidas. […]

Mas, o artigo 27.º, n.º 2, consagra uma outra garantia dirigida a proteger contra as restrições mais graves e extremas à liberdade, contra a “privação total ou parcial da liberdade” e essa outra garantia já é tratada de forma substancialmente distinta pela Constituição. É consagrada com um carácter preciso, definitivo, absoluto: ninguém pode ser, total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato legalmente punido com pena de prisão ou de medida de segurança.

Estamos aqui, claramente, perante aquela estrutura normativa típica em que a Constituição, depois de garantir um direito, exclui, de forma inequívoca e definitiva, as agressões mais graves ou extremas a esse direito. Não estamos apenas perante a situação, comum, em que a Constituição consagra um direito e simultaneamente admite expressamente algumas limitações. Aqui, diversamente, o que se faz é excluir qualquer restrição fora daquele caso expressamente previsto. Só quando se verifica o pressuposto ali enunciado — sentença judicial condenatória — pode haver privação total ou parcial da liberdade.” (p. 103)

Os n.ºs 2 e 3 do referido artigo 27.º consagrariam, assim, uma garantia especial de não se ser total ou parcialmente privado da liberdade e que corresponde ao princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade:

“De resto, se não fosse para impor uma proibição absoluta, para que outro fim se complementaria o enunciado do n.º 1 do artigo 27.º com uma expressão tão inequívoca como a constante do n.º 2 do artigo 27.º? Mais, tão clara é a intenção de formular uma regra constitucional definitiva, absoluta, que o legislador constituinte se preocupa a seguir, no n.º 3, em enumerar todas as que considera serem as exceções admissíveis à proibição instituída no n.º 2. Por isso, também, porque aquela enumeração é taxativa, houve necessidade de esse n.º 3 ser sucessivamente alterado em revisões constitucionais posteriores, precisamente para acomodar outras exceções que se vieram a revelar necessárias. Mas, sempre sem deixar dúvidas de que há aí uma reserva de Constituição, que esta não admite outras situações de privação total ou parcial de liberdade para além daquelas que são expressamente mencionadas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º” (v. REIS NOVAIS, ob. cit., pp. 103-104).

2.2.3. De resto, na sua jurisprudência a propósito dos casos Covid-19 até à presente decisão, o Tribunal Constitucional, ainda que sem nunca ter formulado juízos de inconstitucionalidade material, tem considerado, tendo em conta o conjunto das circunstâncias relevantes (nos termos acima mencionados com referência ao Acórdão n.º 424/2020 [n.º 2.2.3]), que nuns casos ocorreu uma privação da liberdade pessoal (nesse sentido, v. os Acórdãos n.ºs 424/2020 [n.º 2.2.3, in fine], 88/2022 [n.º 2.6], 89/2022 [n.º 2.5] e 90/2022 [n.º 2.5]); e noutros apenas uma mera restrição de tal liberdade (v. o Acórdão n.º 687/2020 [n.º 8], seguido depois sem problematização de tal aspeto pelos Acórdãos n.ºs 729/2020, 769/2020 e 173/2021). O Acórdão n.º 334/2022, do Plenário, embora renovando a jurisprudência do Acórdão n.º 424/2020, que transcreve, pronuncia-se apenas sobre a questão da inconstitucionalidade orgânica de resoluções do Conselho de Ministros que determinaram ou autorizaram o confinamento obrigatório, no domicílio, em hotel ou em local indicado pelas autoridades de saúde, por razões de quarentena ou isolamento profilático.

Certo é que o critério da passagem da mera restrição à privação da liberdade nunca foi totalmente esclarecido – sendo embora seguro que não se trata de uma distinção formal ou categorial como a estabelecida na presente decisão – e que as consequências da qualificação como privação da liberdade também não são claras, atentos os diferentes entendimentos possíveis sobre a articulação entre os n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição e o n.º 1 do mesmo preceito. Com efeito, a ideia de uma “tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade” com a inerente consagração de uma regra proibitiva – uma proibição absoluta – não é pacífica (cfr., por exemplo, o n.º 9.2 do Acórdão n.º 464/2019 – com referência ao Acórdão n.º 403/2015 e à garantia consagrada no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição – e as declarações de voto correspondentes).

2.2.4. A verdade é que, aceitando-se o princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade nos termos referidos – estranho à Grundgesetz, mas claramente consagrado na Constituição da República Portuguesa e acolhido na presente decisão –, torna-se necessário encontrar um critério operacional e adequado à delimitação das diferentes situações.

Com efeito, este modo de perspetivar o direito à liberdade pessoal e os respetivos tipos de limitação – mera restrição e privação, os quais, como mencionado, se encontram numa relação de escalonamento de um para o outro – não pode, para efeitos de os distinguir um do outro, deixar de atender à intensidade da ingerência ou limitação do direito de liberdade: as privações de liberdade consubstanciam formas especialmente intensas de limitação da liberdade pessoal, tão intensas que tenderão a justificar, na ótica do legislador constituinte, uma garantia igualmente diferente (e mais intensa) do que a prevista para as “meras” limitações da liberdade. E isto sem prejuízo de as privações da liberdade poderem ser totais ou parciais (v.g. privação com exceções especialmente enumeradas e sujeitas ao mesmo tipo de controlo que a própria privação).

2.3. Como resulta indiciado na formulação de Dürig transcrita no Acórdão n.º 479/94 (cf. supra o n.º 2.2), para a privação da liberdade, releva tipicamente o resultado ou a situação de impossibilidade de exercício da autonomia individual quanto ao abandono de um dado local delimitado em consequência de elementos de coerção, nomeadamente de natureza física, colocados pelos poderes públicos especialmente dirigidos a suprimir a mencionada autonomia. O citado Autor refere concretamente a situação de alguém que «contra a sua vontade é confinado, coativamente, através do poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída».

No desenvolvimento teleológico desta ideia, dir-se-á que a pessoa privada da sua liberdade só pode abandonar o local fechado em que se encontra, vencendo ou superando (v.g. por via de fuga, de evasão ou de subtração a uma ação de vigilância individual e ativa) as barreiras físicas ou materiais que os poderes públicos colocaram, tendo em vista impedir fisicamente o movimento dessa pessoa para fora do local em causa: a vontade natural de sair não basta; é necessário que o abandono do local implique uma ação de eliminação da eficácia dos instrumentos – meios de ação material – predispostos pela autoridade pública em vista de impedir que aquela pessoa em concreto abandone o local.

Deste modo, a ausência de consentimento do confinado, por um lado, e a colocação pelos poderes públicos de obstáculos materiais dirigidos especificamente a impedir que o mesmo confinado consiga abandonar o local delimitado onde se encontra, por outro, são dois elementos essenciais à anulação da sua autodeterminação em matéria de locomoção ou movimentação – a possibilidade de, apenas pelo exercício da sua vontade, abandonar o local onde se encontra – que consubstancia a privação da liberdade.

Segundo tal entendimento, uma norma que se limite a proibir – imediatamente ou prevendo a proibição pela autoridade pública – o abandono de certo local, mesmo sob a cominação de sanções criminais ou outras, sem prejuízo de interferir com a liberdade pessoal dos seus destinatários na medida em que coloca dificuldades ao respetivo exercício (desde logo, o receio de vir a ser sancionada) – correspondendo por isso a uma restrição de tal liberdade –, não constitui uma privação da mesma: a pessoa destinatária de tal medida pode, se assim o quiser, abandonar o local de confinamento (por hipótese a sua residência) e posteriormente regressar ao mesmo sem se confrontar com qualquer obstáculo físico que a impeça. Do ponto de vista da privação da liberdade – recorde-se, a liberdade de movimentos ou de locomoção –, a sua situação não se distingue da de qualquer outra pessoa não afetada por tal medida.

A realidade já será diferente naqueles casos em que à proibição de abandono do local se associe um qualquer obstáculo dirigido especificamente à pessoa, tendo em vista garantir que ela permaneça no mesmo (por exemplo, as grades nas janelas, a porta trancada ou um guarda à porta, ou, inclusivamente, uma vigilância ativa e individualizada, seja por via eletrónica ou por qualquer outro meio, como telefonemas ou rondas). Nestes casos, com efeito, a saída do local implica, da parte do visado, a vontade suplementar de “quebrar” tais obstáculos, sinalizando tal oposição ativa, desde logo, uma “fuga” ou “reconquista” da liberdade de movimentos, confirmativa de que esta anteriormente se encontrava tolhida. Ou seja, a situação de quem se encontra impedido fisicamente de exercer a sua liberdade de locomoção nos termos referidos não é, do ponto de vista de tal liberdade, idêntica à das pessoas que se podem movimentar sem que previamente tenham de se opor ativamente (fisicamente) aos obstáculos materiais tendentes a confiná-las num dado local. As primeiras encontram-se numa situação de privação de liberdade pessoal, enquanto as segundas, não.

2.3.1. Significativamente, é comum a todas as exceções à proibição da privação da liberdade previstas nas diferentes alíneas do n.º 1 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) a legalidade da situação de prisão ou detenção (arrest ou detentionarrestation ou détention) – ou seja, situações em que a pessoa em causa se vê fisicamente impossibilitada de abandonar o local onde se encontra. O mesmo se passa relativamente às exceções enunciadas no n.º 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa (prisão, detenção ou internamento em estabelecimento). Mais: conforme parece resultar da alínea f) do n.º 3 desse artigo, a mera sujeição às consequências da desobediência (isto é, a simples violação de um dever jurídico) não é condição suficiente; tem de haver “detenção” (seja por causa do flagrante delito – alínea a) –, seja por causa do tipo de desobediência – alínea f).

2.3.2. Por outro lado, mesmo a jurisprudência do TEDH, apesar de salientar a autonomia da noção de privação da liberdade por contraposição às simples restrições à liberdade de circulação, relevantes nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Protocolo n.º 4 à dita Convenção, mantém que a distinção entre ambas assenta apenas «[n]uma diferença de grau ou intensidade, não de natureza ou essência», sendo «necessário partir da situação concreta [do visado] e tomar em linha de conta um conjunto de critérios como o tipo, a duração, os efeitos e as modalidades de execução da medida considerada» (v., por exemplo, o Acórdão de 6.11.1980 [GC], Queixa n.º 7367/76 – Guzzardi c. Italie –, § 95; o Acórdão de 5.7.2016 [GC], Queixa n.º 23755/07 – Buzadji c. République de Moldova –, § 103; o Acórdão de 23.2.2017 [GC], Queixa n.º 43395/09 – de Tommaso c. Italie –, §§ 80 e 81; e o Acórdão de 13.4.2021 [4.ª Sec], Queixa n.º 4933/20 – Terheş c. Roumanie –, § 36). Em todos estes casos desempenharam um papel decisivo na apreciação da intensidade da medida, entre outros, a sujeição do destinatário a uma vigilância individual e a impossibilidade de o mesmo desenvolver contactos sociais decorrente do impedimento de visitas por parte de terceiros.

2.3.3. A associação da privação da liberdade à sujeição a coerção física foi recentemente reafirmada pela Sentenza n. 127/2022 da Corte Costituzionale, a propósito de uma medida que, sob a ameaça de sanções penais, sujeita as pessoas que testaram positivo à Covid-19 à proibição decretada pela autoridade de saúde de ausentarem da sua habitação ou domicílio.

A discussão centrou-se na recondução das medidas em causa à liberdade pessoal (artigo 13. da Constituição italiana) – que implica a mobilização da garantia da reserva de juiz – ou à liberdade de circulação (artigo 16. do mesmo diploma). Aceitando-se que, por razões de saúde pública, o legislador possa limitar em termos gerais a liberdade de circulação das pessoas até ao ponto da «necessidade de isolar indivíduos afetados por doenças contagiosas» (v. a Sentenza n. 68 de 1964), foi reconhecido poder o legislador, em função das circunstâncias concretas, optar entre uma proibição geral de deslocação para determinados locais e uma proibição dirigida a determinada pessoa no sentido de não sair do local onde se encontra (“limitazione positiva” prescrita all’individuo). A questão fundamental a decidir respeitou, pois, a saber se esta última medida, pela sua conformação concreta, não se transmuta numa restrição da liberdade pessoal sujeita à reserva de juiz (v. o ponto 3.2. da apreciação de mérito).

Nessa perspetiva, entendeu-se que sempre que o legislador intervenha sobre a liberdade de locomoção – e independentemente do caráter geral ou individual da medida em causa – é condição suficiente para mobilizar o parâmetro da liberdade pessoal (artigo 13. da Constituição italiana) que tal intervenção permita uma coerção física (e não apenas a imposição de um dever jurídico cujo incumprimento possa acarretar sanções, inclusive penais): o respetivo destinatário tem de poder ser constrangido pela força física ao cumprimento da limitação legal estatuída, o mesmo é dizer, que a «sujeição física ao poder de outrem [é] índice seguro da pertença da medida à esfera de proteção da liberdade pessoal» (v. o ponto 4. da apreciação de mérito e a referência à Sentenza n. 22 de 2022).

É certo que a Corte Costituzionale admite também poderem inserir-se no âmbito de proteção da liberdade pessoal – ampliando-a (mas sem a reconfigurar, pelo que se a restrição exige a coerção física, mesmo sem degradação jurídica, continua a inserir-se no âmbito do artigo 13. da Constituição italiana) – obrigações limitadoras da liberdade de movimentos não acompanhadas de formas de coerção que possam envolver uma “espécie de degradação jurídica” do indivíduo. A ideia é a de que a separação/singularização do indivíduo no seio da comunidade, prevendo para o mesmo formas que se reflitam na sua faculdade de dispor do seu próprio corpo, incluindo a faculdade de locomoção, sejam simultaneamente causa de uma diminuição e degradação da dignidade jurídica ou prestígio social da pessoa, designadamente por implicarem um juízo (negativo) sobre a respetiva conduta e a sua personalidade moral (v. as Sentenzas n. 419 de 1994 e n. 68 de 1964, assim como o ponto 5.1. da apreciação de mérito da Sentenza n. 127 de 2022). Em tais circunstâncias, o risco elevado de arbitrariedade justificará que o Estado de direito oponha «o filtro de controlo do juiz, enquanto órgão vocacionado para a aplicação objetiva da lei em condições de independência e imparcialidade» (v. o ponto 5., in fine, da apreciação de mérito da Sentenza n. 127 de 2022).

Todavia, com referência a tal juízo, afigura-se já não estar em causa a mera liberdade de locomoção, mas imediatamente a dignidade do próprio indivíduo afetado, o que situa o problema num quadro valorativo diferente daquele a que respeita a presente declaração.

Por outro lado, no caso concretamente em análise, a Corte Costituzionale não divisou que a medida fosse acompanhada da possibilidade de aplicação da força física (nem tão-pouco que implicasse uma qualquer degradação jurídica dos seus destinatários).

  1. Em suma, tendo em conta um critério constitucionalmente adequado, não se me afigura que a norma julgada inconstitucional autorize uma privação da liberdade proibida pelo artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa. Está em causa, isso sim, uma restrição da liberdade pessoal consagrada no n.º 1 daquele preceito, sujeita ao regime próprio dos limites às restrições direitos, liberdades e garantias consagrado no artigo 18.º da Constituição.

Por outro lado, e não obstante o referido no n.º 11.3 da presente decisão, a verdade é que a mesma não só não controlou devidamente o respeito dos limites materiais aí consagrados, nomeadamente a eventual violação do princípio da proporcionalidade, como pelas razões mencionadas supra no n.º 1 não disponibiliza os elementos necessários para o fazer. Em face do contexto e das circunstâncias concretas da respetiva aplicação, não é de excluir – bem pelo contrário – que a norma em causa se revelasse desproporcionada.

Pedro Machete

DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei favoravelmente a decisão e o parâmetro, atendendo aos específicos contornos da restrição de direitos fundamentais concretamente apreciada. Porém, afasto-me, no essencial, da fundamentação, por motivos a desenvolver em sede de jurisprudência futura, mas que se resumem no seguinte: em primeiro lugar, não creio que todas as normas que preveem a possibilidade de confinamentos por razões de saúde pública tenham, necessariamente, de reconduzir-se a uma restrição da liberdade pessoal nos termos do artigo 27.º da CRP, na leitura que dele faço. A determinação da existência, ou não, de restrição deste direito, dependerá em grande medida do concreto desenho da medida restritiva em causa, em particular no que respeita à duração, definição das condições de renovação, local e regras atinentes ao confinamento propriamente dito, e meios de tutela à disposição dos cidadãos para contestação de medidas ilegais. Será, ainda, especialmente relevante a amplitude da esfera de autodeterminação pessoal mantida durante o período de execução da medida. Assim, dependendo das normas em causa, poderá estar em causa a liberdade pessoal, consagrada no artigo 27.º da Constituição, ou outras dimensões de liberdade constitucionalmente protegidas em sedes distintas, como a liberdade de circulação ou a liberdade geral de ação.

Em segundo lugar, independentemente da (im)possibilidade de distinção, nos termos do artigo 27.º da CRP, entre privação e mera restrição da liberdade, e de qual o critério relevante para a determinar, como acima se disse, e tendo em atenção a concreta interpretação normativa em causa, creio que no presente caso sempre estará em questão uma medida privativa da liberdade, não prevista nas exceções taxativas constantes do n.º 3 do artigo 27.º, razão pela qual se impõe o juízo de inconstitucionalidade.

Mariana Canotilho

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